(Freguesia da Golpilheira • Concelho da Batalha • Distrito de Leiria)
 
>Grande descoberta na Batalha | Primeiro Stegossáurio na Europa

>Grande descoberta na Batalha | Primeiro Stegossáurio na Europa

>Quando, em Agosto de 1999, Rui de Sousa Pinheiro e o seu filho passeavam entre a Ribeira da Calva e o Casal Novo, junto à Rebolaria, estavam longe de imaginar que esse se iria tornar um passeio histórico. Sempre atento ao chão pisa, à procura de vestígios do passado, fósseis, pedras ou artefactos, Rui encontrou algo que imediatamente lhe pareceu um osso de dinossáurio e prontamente comunicou o facto ao Museu Nacional de História Natural (Universidade de Lisboa).
Uma equipa de investigadores, sob a responsabilidade do professor Galopim de Carvalho, uma das maiores autoridades nacionais no estudo dos dinossáurios, procedeu à execução de uma vala de sondagem, logo em Setembro desse ano, e considerou ser muito promissor o potencial paleontológico da jazida, pelo que se fez uma escavação em Junho de 2000 e uma outra dois anos depois. Os processos foram conduzidos pelo paleontólogo Pedro Dantas, responsável pelo entretanto criado Laboratório de História Natural da Batalha, e por Francisco Ortega, da Faculdade de Ciências da Universidade Nacional de Educação à Distância e da Unidade de Paleontologia da Universidade Autónoma de Madrid (UAM), ambas de Espanha. Os trabalhos foram maioritariamente suportados pela Câmara Municipal da Batalha, pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia e, mais recentemente, pelo protocolo de colaboração entre a Junta de Comunidades de Castilla-La Mancha (Espanha) e a UAM,
A jazida de Casal Novo é constituída, essencialmente, por paleocanais de argilas, de arenitos, de conglomerados, de brechas e de paleossolos incipientes. Estes depósitos, segundo alguns autores, pertencem à formação das “Camadas de Alcobaça” (mais propriamente à parte superior desta formação), para os quais, com base nos estudos de amonites, de microfósseis e das próprias litologias, se atribui a idade do Jurássico superior, entre os 148 e os 153 milhões de anos.
Foram encontrados múltiplos restos de plantas, muitos icnofósseis de invertebrados (possivelmente atribuíveis a larvas de insectos e/ou a anelídeos), peixes com escamas ósseas fracamente representados, alguns restos de crocodilos de características modernas, abundantes ossos de dinossáurios do grande grupo dos dinossáurios couraçados (tireóforos), pertencentes a Stegossáurios, entre outros. Os ossos estão, na sua maioria, completos e apresentam um razoável estado de conservação, ainda que, nalguns casos, a sua proximidade em relação à superfície do terreno lhes tenha provocado alterações de natureza física e também química.

Novidade
Após o estudo aprofundado desde achado, foi agora feita a sua publicação, na prestigiada revista alemã de investigação científica “Naturwissenschaften”, classificando-o como Stegosaurus. A grande novidade reside no facto de ser o primeiro desta família encontrado na Europa, pois era até agora apenas registado na América do Norte. “Os primeiros restos a serem reconhecidos pelo mundo científico como atribuíveis a este dinossáurio remontam ao distante último quartel do séc. XIX; contudo, embora Stegosaurus fosse até aqui considerado abundante no Jurássico Superior da América-do-Norte, nunca tinha sido assinalado fora do continente americano”, afirma o paleontólogo Pedro Dantas, salientando que o achado batalhense ” faz parte, desde há muito, do imaginário de jovens e adultos, pois representa uma das formas mais clássicas de dinossáurios”.
De facto, no Jurássico Superior da Europa (em Inglaterra, França, Portugal e Espanha) apenas tinha sido identificado um género parecido com este grupo, de uma forma conhecida por Dacentrurus, também passível de atingir grande porte. Portanto, “novas interpretações e outros estudos se exigem à comunidade científica, porque o que se sabia até há pouco tempo é que só na América do Norte existia este dinossáurio”, refere a equipa multidisciplinar dos dez especialistas que assinam o estudo.
Os restos de stegossáurios encontrados nesta jazida apontam para (pelo menos) dois indivíduos, de porte distinto. Um deles, o exemplar de menores dimensões, é atribuível ao género Stegosaurus. Mas outros restos encontrados noutros níveis, não abordados neste trabalho, apontam para, pelo menos, mais um exemplar de dimensões bem superiores, entre 4 a 5 metros de comprimento, 2 metros de altura e 1 tonelada de peso.
O seu habitat seria um ambiente de água doce, mais propriamente um regime fluvial pouco profundo, com situações sucessivas de imersão e emersão. Em termos gerais, o clima era quente e seco, aumentando logicamente o teor da humidade com a proximidade das zonas alagadiças.
No final do Jurássico, as terras emersas da América do Norte e da Europa ocidental, em particular da Península Ibérica, estavam muitíssimo mais próximas entre si do que se encontram hoje, dado que o oceano Atlântico estaria apenas no início da sua abertura. “Apesar da tendência, a nível global, não favorável ao contacto de faunas terrestres entre distintas terras emersas separadas por consideráveis extensões de água, muitos dados nos levam a crer que o contrário se estava a passar à escala regional no Proto Atlântico-Norte, por irónico que pareça, relacionado com o fenómeno de abertura do próprio Oceano Atlântico”, adiantam os investigadores. Isto partindo da análise detalhada às bacias sedimentares que se encontravam de um e de outro lado do incipiente Atlântico-Norte, que revelou um registo sedimentar muito semelhante entre si, bem como uma história tectónica comum, a que não será alheia, decerto, esta fase inicial de expansão do Atlântico na sua parte setentrional. “Precisamente, indica-nos que um importante impulso de abertura (expansão) do oceano, durante o Jurássico Superior, teve um período posterior e consequente de regressão, que afectou regional e sincronicamente as diversas bacias sedimentares distribuídas nesta região do Atlântico. Esta tendência regressiva, operada entre os 153 e os 148 milhões de anos, põe emersas extensas zonas, normalmente inundadas, e reduz as barreiras marinhas entre a América-do-Norte e a Península Ibérica”.

Contributo científico
Em conclusão, os autores deste estudo apontam alguns pontos de relevância científica do seu trabalho:
– Amplia a diversidade conhecida de Stegossáurios, quer na Península Ibérica, quer na Europa, e aumenta a sua distribuição geográfica, pela primeira vez, com segurança, fora da América do Norte;
– Reforça a hipótese da semelhança faunística entre as terras emersas de ambos os lados (América-do-Norte e Europa ocidental) do ainda incipiente Atlântico-Norte, durante o Jurássico Superior, há aproximadamente 150 Milhões de anos atrás;
– Ajuda a sustentar a possibilidade de contactos entre as faunas, sobretudo de dinossáurios, de ambos os lados do antigo Oceano Atlântico.
LMF

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