(Freguesia da Golpilheira • Concelho da Batalha • Distrito de Leiria)
 
>(Que?) Educação sexual obrigatória

>(Que?) Educação sexual obrigatória

>Destaque | “Trapalhadas” confirmam atropelos à lei
Por Luís Miguel Ferraz

Na nossa edição de Agosto de 2009, abordámos a questão da educação sexual obrigatória nas escolas, alertando para algumas questões que não estavam respondidas, nomeadamente, a preparação das próprias escolas e dos professores para levar por diante esse projecto, e sobretudo como seria garantido o direito dos pais a serem os primeiros responsáveis pela educação dos seus filhos, como defende a Constituição Portuguesa e a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Não estava em causa a importância destas matérias, no que respeita aos conteúdos técnicos e científicos adequadas à idade dos alunos, mas sim o facto de a educação para a sexualidade ir muito para além do físico e do biológico, entrando em questões éticas, culturais e mesmo religiosas. No fundo, trata-se de uma educação que afecta globalmente a própria noção de sentido e desenvolvimento do ser humano.
Perguntávamos, então, que legitimidade teria a escola para impor um modelo único na educação da personalidade dos alunos e, sobretudo, para sobrepor esse modelo ao que os pais desejam para os seus filhos? Quem vai definir esse modelo e com que preparação? Que princípios irão estar subjacentes, por exemplo, à definição do conceito de família, de relação afectiva saudável, de métodos contraceptivos adequados, de responsabilidade e ética sexual?
A Lei 60/2009 foi publicada nesse mês, mas não foi imediatamente regulamentada, pelo que as respostas não vieram e, no ano lectivo de 2009-2010, a sua aplicação foi praticamente nula. Só em Abril do ano seguinte saiu a Portaria 196-A/2010, que veio definir a educação sexual como conteúdo obrigatório, bem como as regras da respectiva aplicação, onde de facto se incluíram algumas das salvaguardas que muitos pais e grupos sociais tinham defendido.
No entanto, o decurso do corrente ano lectivo está a demonstrar que as nossas inquietações iniciais tinham razão de ser. A maioria das escolas do país apressou-se a tornar obrigatória a educação sexual, mas deixou para trás o cumprimento das restantes cláusulas da referida Portaria, como verificamos no caso do Agrupamento de Escolas da Batalha.

O que diz a lei
Comecemos por analisar as leis. Já em 1999 tinha sido aprovada a lei 120/99 sobre este assunto, onde se defendia que as escolas deveriam implementar um “programa para a promoção da saúde e da sexualidade humana”, referindo claramente que “deverá existir uma colaboração estreita com os serviços de saúde da respectiva área e os seus profissionais, bem como com as associações de estudantes e com as associações de pais e encarregados de educação”.
Na nova Lei n.º 60/2009, definem-se, entre as finalidades da educação sexual, “a valorização da sexualidade e afectividade entre as pessoas no desenvolvimento individual, respeitando o pluralismo das concepções existentes na sociedade portuguesa” e, por outro lado, “o reconhecimento da importância de participação no processo educativo de encarregados de educação, alunos, professores e técnicos de saúde”.
O Artigo 6.º da mesma Lei defende que devem ser “ouvidas as associações de estudantes, as associações de pais e os professores”, e o Artigo 7.º vai mais longe: “O director de turma, o professor responsável pela educação para a saúde e educação sexual, bem como todos os demais professores da turma envolvidos na educação sexual no âmbito da transversalidade, devem elaborar, no início do ano escolar, o projecto de educação sexual da turma”, onde “devem constar os conteúdos e temas que, em concreto, serão abordados, as iniciativas e visitas a realizar, as entidades, técnicos e especialistas externos à escola a convidar”.
No Artigo 11.º, adianta que “os encarregados de educação, os estudantes e as respectivas estruturas representativas devem ter um papel activo na prossecução e concretização das finalidades da presente lei” e também que “os encarregados de educação e respectivas estruturas representativas são informados de todas as actividades curriculares e não curriculares desenvolvidas no âmbito da educação sexual”.
Na Portaria n.º 196-A/2010, que procede à regulamentação desta Lei, volta a definir-se que “os termos em que se concretiza a inclusão da educação sexual nos projectos educativos (…) são definidos pelo conselho pedagógico e dependem de parecer do conselho geral, no qual têm assento os professores da escola, representantes dos pais e (…) onde seja leccionado o ensino secundário, representantes dos estudantes”. Para frisar ainda mais este ponto, afirma-se que “o conselho pedagógico deve assegurar que os pais e encarregados de educação sejam ouvidos em todas as fases de organização da educação sexual no respectivo agrupamento de escolas ou escola não agrupada”.

As nossas questões
Perguntámos ao Agrupamento de Escolas da Batalha (AEB) se o respectivo Conselho Pedagógico já tinha elaborado o seu “programa para a promoção da saúde e da sexualidade humana” e de que forma foi garantida a “colaboração estreita com os serviços de saúde da respectiva área e os seus profissionais, bem como com as associações de estudantes e com as associações de pais e encarregados de educação”, como determina a lei. Mais concretamente, se todos os directores de turma elaboraram o “projecto de educação sexual da turma”, onde constem “os conteúdos e temas que, em concreto, serão abordados, as iniciativas e visitas a realizar, as entidades, técnicos e especialistas externos à escola a convidar”.
Quanto ao acompanhamento, quisemos saber quais os meios usados para “assegurar que os pais e encarregados de educação sejam ouvidos em todas as fases de organização da educação sexual” e se “são informados de todas as actividades curriculares e não curriculares desenvolvidas no âmbito da educação sexual”, como diz a mesma lei.
Finalmente, perguntámos se já tinha sido nomeado o “professor coordenador da educação para a saúde” de acordo com os requisitos legais e se os pais têm fácil acesso a ele.

A resposta da escola
A presidente da Comissão Administrativa Provisória do AEB, Maria Helena Pintor, respondeu-nos que “dado que se trata de normativos legais recentes e que a sua obrigatoriedade de execução se tornou obrigatória apenas neste ano lectivo, o programa deste Agrupamento está ainda a ser construído”. Portanto, só parte da lei foi cumprida: educação sexual obrigatória existe, mas programa ainda não.
Quanto ao “professor coordenador da educação para a saúde”, Helena Pintor assegura que foi “designado pelo órgão de gestão por reunir os requisitos exigidos, que, conjuntamente com os professores responsáveis pelo Clube de Saúde, delineou linhas orientadoras para a elaboração do programa, as quais foram aprovadas pelo Conselho Pedagógico, e apresentou um programa de actividades para o presente ano lectivo, também aprovado pelo Conselho Pedagógico, órgão no qual tem assento a Associação de Pais do Agrupamento”.
A presidente do AEB adianta ainda que “no final deste mês se inicia a formação de um conjunto de professores de diferentes níveis de ensino e de diversas disciplinas, com vista a obter competências para um desempenho adequado nesta área, bem como à construção de um projecto de escola, o qual, depois de elaborado, será apresentado, discutido e aprovado por todos os órgãos competentes do Agrupamento”.
Quanto ao conhecimento que foi dado aos pais, esta responsável afirma que “o trabalho a desenvolver, no presente ano lectivo, a nível de cada turma, foi já apresentado aos pais e encarregados de educação, em reuniões tidas com o Director de Turma, que, deste modo, tiveram oportunidade de expressar a sua opinião em relação às actividades que se pretendem levar a cabo”.
Helena Pintor concluiu assegurando que “a participação dos pais e encarregados de educação na construção deste projecto, tal como em outras áreas da vida escolar dos seus educandos, é essencial e, portanto, constitui-se como princípio de actuação pelo qual norteamos a nossa acção”.

O que dizem os pais
Em contraponto, Patrícia Serra Kelly, presidente da Associação de Pais e Encarregados de Educação do Agrupamento de Escolas da Batalha (APEEAEB) afirma que “esta direcção do Agrupamento mostra-se pouco cooperante com os pais, a julgar pelos muitos casos que têm vindo a público nos últimos tempos”. De facto, como se percebe pelos dois exemplos analisados na página seguinte, é evidente a falta de informação dada aos pais e à própria Associação. Daí que a presidente da APEEAEB lamente que “a Associação de Pais não seja previamente informada destas situações, pelo que não pode intervir atempadamente” e defenda que “em próximas situações, esta associação seja previamente consultada, no sentido de assegurar uma correcta análise dos acontecimentos relacionados com o nosso agrupamento de escolas”.
Esta constatação confirma-se na conversa com alguns pais, que não fazem a mínima ideia sobre que educação sexual está a ser ministrada, muito menos sobre “os conteúdos e temas, as iniciativas e visitas ou as entidades, técnicos e especialistas a convidar”, como se lê na Portaria.
Em abono da verdade, também devemos dizer que muito pais não mostram qualquer preocupação, ou pelo menos não estão despertos para este problema. Como nos referia um professor da própria escola, “entregar os filhos cegamente à escola, delegando nela aquilo que é tarefa primordial dos pais, a educação, pode ser um erro de consequências irreparáveis; por isso fico muito incomodada quando vejo a apatia dos pais, em geral, perante algumas situações”. O mesmo professor, em declarações ao Jornal da Golpilheira, defendia que “é preciso denunciar, alertar os pais para que estejam atentos, vejam que forças estão a querer ocupar a escola e sejam interventivos e exigentes no respeito para com os seus filhos”.

Em concreto…
Como veremos pelos dois casos relatados a seguir, no meio de tantas “trapalhadas”, há muito caminho a fazer neste sentido, tanto pela escola, como pelos pais….

Caso 1 – Visita cancelada à exposição “Sexo… e então?!”
“Pais só têm porcarias na cabeça”
Numa nota da escola enviada aos pais das turmas do 6.º ano, pedia-se autorização para uma visita de estudo, a efectuar no dia 25 de Janeiro, onde se informava a ida ao teatro, especificando que se tratava da peça “A Aventura de Ulisses”, e a visita ao Pavilhão do Conhecimento, sem mais informação.
Um dos pais sabia que aí se encontrava a exposição “Sexo… e então?!” e, considerando não ser adequada ao seu filho, comunicou à escola a sua não autorização. Ao mesmo tempo, tratando-se de uma questão tão delicada como a educação sexual, cujos primeiros responsáveis são os pais, perguntou por que motivo lhes tinha sido ocultada essa informação, numa mensagem enviada à escola e à Associação de Pais, bem como a vários serviços do Ministério da Educação, à Câmara Municipal e a alguns amigos.
Responderam apenas a Associação de Pais e o Município, cujos representantes integram o Conselho Pedagógico da escola, dizendo que desconheciam o assunto por completo e que havia razão para este protesto. O certo é que essa mensagem chegou a outros pais, que se apressaram a comunicar à escola não autorizar a ida dos respectivos educandos, pelo que essa parte da visita foi cancelada.

Exposição polémica
Não estava em causa propriamente a exposição, mas sim o direito de os pais serem informados. De qualquer modo, embora a referida exposição se apresente como “cientificamente documentada”, o que é a todos os níveis discutível, está longe de ser consensual para muitos pais, professores e técnicos de saúde. Consideram estes que a exposição “contém vários erros técnicos, fomenta a sexualidade precoce, promove o relacionamento sexual meramente lúdico, é um abuso de confiança à vida íntima das crianças, a classificação etária é de rigor duvidoso, a linguagem usada (textos, imagens, jogos) é agressiva, grotesca por vezes inestética e com carácter científico pouco consistente e é uma exposição marcadamente moralista”. (cf. http://www.plataforma-rn.org/ )
O psiquiatra Pedro Afonso, que afirma ter encontrado no local crianças com menos de 9 anos de idade, refere que ali “o sexo é apresentado como mera concretização de impulsos primários o que é uma visão redutora da sexualidade humana”. Alexandra Chumbo, psicóloga em Desenvolvimento infantil, acrescenta que “é muito duvidoso o carácter científico de uma exposição que ‘entra’ na explicação do acto de beijar, numa dissecação meramente anatómica de um impulso que é natural, instintivo e afectivo”.
A também psicóloga Maria Teresa Ribeiro refere ainda que é “uma visão ideológica primária da sexualidade, de mau gosto, mecanicista, em que se banalizam as decisões, pretendendo fazer passar como unânimes valores e formas de olhar que o não são: o sexo desenquadrado das relações; não faz mal os adolescentes terem relações sexuais cedo, desde que usem contraceptivos”.
Mais grave é a acusação de Luís Costa, especialista em cancro da mama e chefe do serviço de oncologia do Hospital de Santa Maria: “Parece-me inadequado que o uso dos contraceptivos seja vulgarizado sem que haja qualquer informação sobre o facto de ser um fármaco de prescrição médica e que pode ter contraindicações importantes. Um fármaco que pode estar associado a um maior risco para cancro da mama requer sempre uma avaliação atenta sobre a sua utilização em grupos de maior risco para doença oncológica da mama. De facto a omissão sobre este assunto é estranha e não favorece o interesse dos jovens”. Opinião secundada por João Paulo Malta, obstetra/ginecologista: “Parece-me no mínimo irresponsável que o uso dos contraceptivos seja vulgarizado com esta leveza… como se fossem aspirinas!”

Tabu para a escola
Perante isto, também o JG perguntou à escola: tendo em conta que se trata de uma iniciativa claramente enquadrada nas “actividades desenvolvidas no âmbito da educação sexual”, foi devidamente programada pelo Conselho Pedagógico? Por que razão foi omitida na comunicação enviada aos pais? Após a contestação e o respectivo cancelamento, de que forma o assunto foi analisado pelos responsáveis da Escola e pelo Conselho Pedagógico? A que conclusões chegaram? Qual foi a resposta enviada aos pais?
O AEB recusou-se a responder a qualquer destas questões, remetendo-nos apenas a nota acima citada. Afinal, a exposição que se anuncia como abordagem ao “sexo sem tabus” é um tabu para a escola.

Profesores dizem aos alunos que pais “só têm porcarias na cabeça”
Mais grave do que não dar qualquer explicação aos pais foi, após o cancelamento da visita, duas professoras ligadas à organização da viagem insultarem os pais que se manifestaram, em plena sala de aulas, perante os alunos. Segundo relato das próprias crianças, algumas das quais envergonhadas perante os colegas, as professoras afirmaram que se tinha “estragado uma visita muito importante”, só porque alguns pais são “ignorantes, atrasados e retrógrados”, “só têm porcarias na cabeça”, e por aí fora.
Também questionámos a presidente do Agrupamento se tinha conhecimento destes casos, se não considerava que este era um atentado ao respeito pelo “pluralismo das concepções existentes na sociedade portuguesa”, como determina a Lei, e se achava pedagogicamente correcto que um assunto que deveria ter sido tratado entre a escola e os pais fosse abordado em plena sala de aulas, com a agravante da humilhação ou constrangimento nos alunos que claramente foram identificados pelos colegas como filhos das pessoas em causa.
Mais uma vez, a resposta foi o silêncio.

Caso 2 – O livro pornográfico oferecido aos alunos
“O abominável mundo louco dos jovens cibernautas”
Também este mês, fomos abordados pelo pai de um aluno do 10.º ano, escandalizado com o livro que acabara de ser oferecido ao seu filho na escola. Trata-se do livro “O abominável mundo louco dos jovens cibernautas”, onde se publica um conjunto de conversas pornográficas na Internet, supostamente mantidas entre adolescentes, com linguagem abaixo de calão e indicação de sítios que os pais a tanto custo vão tentando evitar que os filhos conheçam. Na própria contracapa do livro, um psicólogo considera-o como “lixo” e recusa-se a associar-se a tal publicação.
Para sabermos como tal aconteceu, perguntámos a um professor da Escola, que nos relatou o episódio: “Alguns alunos do AEB venceram um concurso ligado à arte digital. Tal acontecimento deu origem, num dos últimos dias de aulas do primeiro período, a uma cerimónia, na Escola Mouzinho de Albuquerque, com a presença do director do Centro de Formação da Batalha, de uma representação da Direcção Regional do Centro, da Editora Gradiva, entre outros. Terminou com uma ‘generosa’ distribuição gratuita de livros aos alunos de todos os ciclos, pela dita editora. A surpresa geral deu-se quando alunos do ensino secundário começaram a mostrar o livro que haviam recebido e a manifestar a sua decepção e indignação pelo ‘lixo recebido’. Houve mesmo alguns a afirmar «eu não sou caixote do lixo de quem me atirou isto para cima», «nem quero que os meus pais o vejam» ou «isto não é um livro para se dar nas escolas», não se identificando como jovens daquele ‘mundo louco’ e sentindo-se enxovalhados com a ‘abominável’ linguagem pornográfica que adultos publicaram.”
O mesmo professor refere que “a direcção da Escola manifestou-se surpresa e perplexa pois, na sua boa fé, não ousou pensar que devesse ter de verificar, antecipadamente, o tipo de livros que a editora se propunha oferecer”. Terá sido apenas esse o seu erro.
Numa outra versão, fonte da autarquia referiu-nos que “os livros em causa destinavam-se aos professores e foram distribuídos por engano aos alunos”.
Também a APEEAEB afirmou desconhecer previamente o conteúdo do livro e afirma ter existido “irresponsabilidade da editora”. De qualquer modo, Patrícia Kelly considera que “deveria ter existido uma análise cuidada do referido livro” por parte da Escola e, perante esta “situação lamentável”, defende que “o Agrupamento de Escolas deveria tomar de imediato uma atitude, solicitando aos alunos a retoma dos livros e contactando por escrito todos os pais dos alunos que o receberam, no sentido de ser dada uma explicação do sucedido”.
Mais uma vez, perguntámos à direcção do Agrupamento qual a sua versão dos acontecimentos e se foi dada alguma explicação adicional aos alunos ou aos pais sobre o caso.
De novo, a resposta foi o silêncio.

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