Os tempos circulam a ritmos descompassados. Dizemos à mesa do café que já não há estações como havia antigamente, que isto agora é tropical, que tanto chove como faz sol. Feitos de rotinas, nós que tanto gostamos de novidade, sentimos a nostalgia das seguranças que cada época nos assegurava.
Na vida como no clima, sentimos fugir a certeza, olhamos indiferentes o futuro, encaramos as crises e as vitórias com a mesma bonomia de pálpebras enevoadas. Não apetece lutar, como se o destino marcado fosse um GPS inevitável para o abismo. Está tudo mal e, ao mesmo tempo, está tudo bem.
As bitolas do espírito vão, também, perdendo a cor. A cinza quaresmal tem o mesmo tom das alvuras que dantes nos traziam ressurreição. Na fé, como na vida, os passos são cada vez mais incertos e sem sentido. Por dentro, sentimos cada vez mais vazio; por fora, vemos entulhos gigantescos a atrofiar caminhos, como um maremoto de problemas insolúveis e pecados sem redenção.
Este é o quadro negro que facilmente pintamos quando, distraídos, nos perdemos no horizonte do desalento. E, no entanto, a Páscoa continua a acontecer, no ritmo certo que teima em nos surpreender. Pode ser num pormenor que nos faz sorrir, pode ser numa conversão radical de rumo, pode ser no deixar-se levar pela corrente certa. Basta estar atento para descobrir que, afinal, ainda há Primavera, a mesma das estações de antigamente. Basta levantar a cabeça para ver que há outros na mesma deriva e de mão estendida. Basta cantar mais alto para abafar o choro.
Como poderá ver neste jornal, caro leitor, por mais buracos que tenha a estrada, há sempre razões para continuar.
Votos de uma Feliz Páscoa, para uma Santa Primavera!