(Freguesia da Golpilheira • Concelho da Batalha • Distrito de Leiria)
 
>Grande reportagem nos 400 anos da Ordem da Visitação: Visita ao interior do convento…

>Grande reportagem nos 400 anos da Ordem da Visitação: Visita ao interior do convento…

>…na companhia da Irmã Maria Pia, da Golpilheira

Nos 4 séculos da fundação da Ordem da Visitação, fizemos a visita autorizada ao interior do Convento da Batalha, onde encontrámos a Irmã Maria Pia Cruz, natural da Golpilheira. Relatamos ainda a celebração da Missa festiva, presidida pelo Bispo de Leiria-Fátima, publicamos o discurso histórico de António Monteiro e terminamos com uma entrevista à Superiora.

Reportagem (textos e fotos [ver slide à esquerda] ) de Luís Miguel Ferraz

Entrega a Deus, na humildade e simplicidade de vida

Fundada a 6 de Junho de 1610, em Annecy (França), por São Francisco de Sales e Santa Joana de Chantal, a Ordem da Visitação de Santa Maria celebra agora os seus 400 anos de existência.
Na mente do fundador estava uma congregação feminina que se dedicasse ao serviço dos pobres e dos doentes, sem a austeridade que marcava as muitas ordens religiosas da época, todas elas de clausura. Mas a presença das irmãs nas ruas causou alguma perplexidade às autoridades eclesiásticas, nomeadamente ao Cardeal Arcebispo de Lyon, cidade onde havia sido fundado o segundo mosteiro da Visitação, em 1616. Este Bispo pediu a Francisco de Sales que transformasse a Congregação em Ordem e a dedicasse à clausura, o que ele aceitou como sinal da vontade divina: “Eu não fiz o que queria, fiz o que não queria”. E a co-fundadora completaria: “Deus deu às nossas Irmãs um espírito de inteira submissão à sua Divina Vontade; da sua bondade recebemos grande disposição e atractivo para viver em clausura, com inteira consolação para as nossas almas”.
Ainda assim, os fundadores mantiveram a sua intenção original de não seguir regras tão austeras como as que adoptavam outras ordens religiosas, permitindo que nela ingressassem irmãs de todos os géneros e condições, mesmo que de fraca compleição física, idosas ou doentes. Único objectivo, segundo o fundador: “Dar a Deus almas tão interiores que sejam julgadas dignas de O adorar em espírito e verdade”. As suas virtudes de referência seriam a humildade perante Deus e a simplicidade para com o próximo.

Expansão mundial e presença em Portugal
A Ordem rapidamente se expandiu. À data da morte de Francisco de Sales (1622) existiam já 11 mosteiros, e quando morreu Joana de Chantal (1641) o número de casas era já de 87.
Ao longo da sua história, muitas das suas Irmãs foram exemplos de santidade, como Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690), talvez a mais famosa das Visitandinas, pelas revelações recebidas sobre a consagração e o amor ao Sagrado Coração de Jesus. Mas o “apagamento” característico do modo de vida destas religiosas faz com que poucos conheçam esses exemplos e mesmo a própria Ordem. Ainda assim, quatro séculos depois da sua fundação, a Visitação está presente em quatro continentes do mundo, com cerca de 3000 irmãs em 168 mosteiros.
A Ordem chegou a Portugal em 1784, com a fundação do mosteiro de Lisboa. Em 1879 foi fundado o mosteiro do Porto. Com as perseguições de 1910, pelo regime da I República, as religiosas dispersaram-se por vários mosteiros europeus, acabando por se juntarem no primeiro mosteiro de Madrid, onde permaneceram até à Guerra Civil de Espanha.
Voltaram a formar uma comunidade no nosso país em 1924, num mosteiro em Guilhufe (Penafiel) e fixaram-se, finalmente, na Batalha, em 1936. A vinda para a diocese de Leiria ficou a dever-se à intercessão do Dr. Carlos Mendes e à generosidade do Bispo D. José Alves Correia da Silva, que lhes cedeu a Quinta do Casal (Faniqueira, Batalha), que havia sido deixada à Diocese por Júlia Charters Crespo, com a condição de as irmãs dedicarem as suas orações ao Seminário Diocesano.
Hoje existem três mosteiros da Visitação em Portugal, situados em Braga, Vila das Aves e Batalha.

Bispo diocesano, D. António Marto, presidiu à celebração festiva na Batalha
“Mosteiro é oásis espiritual no deserto do mundo”

De modo simples, mas “na Acção de Graças por excelência que é a Santa Missa”, a efeméride comemorada no Convento da Faniqueira, no passado dia 11 de Junho, festa do Sagrado Coração de Jesus, numa celebração presidida pelo Bispo diocesano, D. António Marto. Participou ainda D. Augusto César, Bispo Emérito de Portalegre/Castelo Branco, bem como diversos sacerdotes da diocese de Leiria-Fátima, algumas autoridades autárquicas locais e cerca de duas centenas de pessoas, entre as quais muitos familiares e amigos das irmãs visitandinas.
Afirmando associar-se com muita alegria a esta festa, “na proximidade, afecto e gratidão pelo testemunho e pela oração destas irmãs por todos nós e pelo mundo”, D. António Marto lembrou a intenção do fundador, São Francisco de Sales, de que fossem “violetas entre outras flores, pequeninas e de cor menos brilhante, mas que dão ao Criador todo o seu perfume”.
A propósito do ícone escolhido pela Ordem, o Sagrado Coração de Jesus trespassado por duas lanças, cuja devoção muito se deve à visitandina Santa Margarida Maria Alacoque, o Bispo afirmou que este é símbolo da “festa do amor divino num sinal humano, que se manifesta em carinho, amizade e amor, mas também em misericórdia e compaixão”. “O amor de Deus não é um conceito, uma abstracção, mas um coração que leva o nosso a palpitar ao mesmo ritmo”, referiu D. António, apontando o exemplo do Evangelho desta Eucaristia, em que o Bom Pastor deixou o rebanho todo para ir à procura da ovelha perdida. “Por isso esta festa é tão querida ao povo cristão, porque usa a linguagem do coração, que o povo entende e à qual adere facilmente”, afirmou ainda o prelado. “A raiz da nossa fé não é um ideal grandioso nem um código de leis, mas um encontro com Deus, pelo coração de Cristo”, acrescentou.
Desta realidade resulta o “convite a reconhecer o primado de Deus e do seu amor”, pois “quando se esquece Deus, fica-se mais triste e abandonado, perde-se o sentido da vida e o calor para vencer as dificuldades do caminho”. Referindo-se a uma actual “escuridão pelo eclipse dos valores na sociedade”, o Bispo diocesano apontou a Ordem da Visitação como “exemplo vivido, oásis espiritual no deserto do mundo e estrela de esperança”, que testemunha esse amor divino e incita ao amor aos irmãos, já que “no coração de Jesus Cristo estão todos os seres humanos e nele somos chamados a amar todos os irmãos”.
No final da celebração, o engenheiro António Monteiro, um dos “vizinhos” e amigos deste mosteiro, fez um breve resumo histórico desta comunidade (ver abaixo), seguindo-se o descerramento da placa evocativa no exterior da igreja, após o canto do Hino da Visitação pelo grupo coral dos Arautos do Evangelho, que animara também a liturgia da celebração eucarística.
Após esse último acto comemorativo, todos os presentes foram convidados para um lauto lanche oferecido pelas irmãs no rústico espaço do celeiro da sua Quinta do Casal.

Visita “guiada” ao interior do Convento da Batalha
O peso da idade, a leveza de Deus

Para conhecermos mais profundamente estes 400 anos de história e, sobretudo, o presente da Ordem da Visitação, fomos visitar o convento da Batalha, na diocese de Leiria-Fátima. A irmã Maria de Lourdes da Conceição Mendes (73 anos), superiora desta comunidade, abriu-nos as portas e conduziu-nos amavelmente num “passeio” pela casa.
Acolheu-nos também a Irmã Maria Pia Cruz (75 anos), natural da Golpilheira, que entrou nesta Ordem aos 20 anos. Sabendo que vinha do Jornal da Golpilheira, aproveitou para me perguntar novidades da nossa terra, da família e outras pessoas conhecidas. Reconhece que muitos dos conterrâneos não devem saber da sua existência. É normal para quem decidiu viver toda a vida recolhida, longe dos “seus”, numa entrega total a Deus. “Foi assim que encontrei o meu caminho de felicidade”, afirma.
É das mais activas da comunidade. Durante a reportagem, encontro-a a varrer umas folhas no claustro, depois a cuidar das flores do jardim, mais tarde a preparar as mesas no refeitório. No final da manhã, ainda deu um pulinho ao quintal, para ajeitar as canas dos feijões, confessando que cultivar a horta é uma das suas tarefas favoritas. Quando nos despedimos, estava em oração na capela, antes do almoço.

O espaço
A igreja é o espaço público por excelência, sobretudo na celebração dominical em que participam muitas pessoas da localidade. Colada a ela, a área residencial e de serviços tem no coração um jardim interno, rodeado de claustros, em cujo centro domina uma estátua do Sagrado Coração de Jesus.
A decoração é sóbria mas colorida, onde as flores imperam, juntamente às imagens e quadros de cariz religioso. Muitas das peças são feitas pelas irmãs, como é o caso dos vasos em materiais reciclados, antigos potes de azeite ou outros recipientes, panos bordados, obras de tapeçaria, etc.
O ambiente é leve, arejado, com numerosas janelas e portadas a comunicar com os jardins e os espaços agrícolas da quinta.

As pessoas
Terminadas as orações da manhã e o pequeno-almoço, pelas 10h00, algumas irmãs circulam por ali. A “Mãe”, tratamento carinhoso dedicado à superiora, explica a presença do jornalista de O Mensageiro, que veio para recolher imagens e informações, numa reportagem para dar a conhecer a Ordem e o dia-a-dia da comunidade visitandina. O acolhimento é numa boa-disposição contagiante. “É bom que se dê a conhecer a nossa vida, porque muitas pessoas, mesmo vizinhas, não fazem ideia de existirmos e do que fazemos”, adianta a irmã Joana Margarida Maia, que foi muitos anos a superiora deste convento. É uma das mais idosas, com 92 anos, mas com um impressionante sorriso permanente e um olhar azul claro e límpido.
Aos poucos, a curiosidade da “estranha” presença vai concentrando as atenções. Lanço o convite a uma foto de grupo (ver capa). A superiora manda tocar o sino para a reunião e em poucos minutos todas comparecem no jardim. Escolhido o local, frente a um dos altares dos claustros, alinham-se por alturas. “Eu dantes ficava na fila de trás, mas a idade já me tirou altura, agora já posso ficar à frente”, comenta com bom humor uma das irmãs. Mas foi fácil organizar o grupo e mantê-lo durante alguns minutos para várias fotografias. São 17 ao todo, mas ali só estão 15, pois as irmãs Maria Florinda Ribeiro (81 anos) e Maria Helena Mota (80 anos) estão acamadas.

Movimentos
A média de idades é elevada, mas pelo movimento não parece, mesmo das duas ou três que já precisam da cadeira de rodas para se deslocarem. É o caso da irmã Maria Leonor Ferreira (88 anos), uma das que segue pelas várias salas, dando sugestões para fotos e comentando com alegria o trabalho a que algumas se dedicam, como a irmã Maria Bernardete Amaro (78 anos) na cozinha a preparar a refeição, a irmã Maria Margarida Jesus (64 anos) na sala de convívio a bordar, a irmã Maria Jacinta Marques (78 anos) na rouparia a passar a ferro. No serviço exterior, a irmã Maria Augusta Jesus (83 anos) está na portaria, enquanto a irmã Maria Clara Gomes (77 anos) vai tratar dos perus, galinhas e outros animais de capoeira.
“Já não fazemos tudo o que fazíamos há uns anos, porque a idade da maioria já não o permite”, explica a superiora, apresentando algumas das pessoas que foram contratadas para ajudar nas lides domésticas e no trabalho do campo. Mas ainda asseguram grande parte do serviço, “acumulando tarefas conforme podemos”, como refere a irmã Maria Paula Valente (81 anos), que é assistente, arquivista e trata do economato. Outras apenas dão uma pequena ajuda nas tarefas comuns, como a irmã Maria Florinda Saraiva (87 anos), que foi sapateira muitos anos, mas agora só faz os “Bentinhos do Sagrado Coração”, pequeno corações que oferecem como lembrança. Ou a irmã Maria Armanda de Moura (81 anos), a quem a doença de Alzheimer limita muito as capacidades de trabalho.
A mais nova é a noviça Rita Maria Sousa, de 37 anos, que tem à sua responsabilidade a enfermaria e os trabalhos informáticos no escritório. É ela que faz a ligação das irmãs às novas tecnologias, sobretudo pela Internet, uma ferramenta de divulgação que as irmãs acreditam ser muito útil para a evangelização de hoje em dia. “Estamos a preparar um site actualizado dos mosteiros portugueses”, lembra a irmã Maria de Lourdes, confiante de que será uma forma de levar ao público mais jovem a informação sobre esta vocação específica. A outra noviça é Sílvia Maria, de 74 anos, que teve já uma experiência de vida consagrada activa e decidiu agora recolher à clausura.
A mais idosa, irmã Maria Nadir Faria, de 97 anos, é ainda a organista de serviço. Foi ela que compôs a letra e música do Hino da Visitação apresentado no dia da festa pelos Arautos do Evangelho. Faz questão de ir até à capela das irmãs para uma fotografia na sua “função”, que desempenha com desenvoltura. Refiro a minha admiração pela facilidade com que os dedos percorrem os teclados. “É um dom de Deus, para eu continuar a louvá-l’O com o som do órgão”, responde.

A despedida
É na capela que me despeço das irmãs, após a oração da Hora Intermédia. São 12h00, hora de almoço. Foram duas horas de agradável companhia, simpatia e simplicidade no trato. As irmãs acumulam muitos anos de vida, mas a sua vitalidade e energia são uma lufada de ar fresco e jovialidade. Sem dúvida, sente-se que Deus está presente em cada espaço e, sobretudo, em cada coração.
Os sorrisos da despedida são acompanhados pelos votos de “bom trabalho”, para que a reportagem venha a ser “em honra de Deus e para o bom serviço às pessoas”.
Faço os mesmos votos. E trago os cumprimentos da Irmã Maria Pia para todos os seus conterrâneos.

Memorial da Ordem da Visitação de Santa Maria
Por Eng. António Monteiro

Permito-me apresentar uma comparação muito simples e a modo da minha formação agronómica, sugerindo assemelhar-se esta Ordem da Visitação a uma já velha árvore, mas ainda vigorosa e frutífera, ainda que nascida no remoto ano de 1610, ou sejam passados Quatro Séculos em que teve a sua origem numa fecunda semente, então lançada à fértil terra de França por um experiente e bom semeador, ou fosse o virtuoso Bispo São Francisco de Sales, particu1armente inspirado por luzes divinas bem luminosas.
Mas sendo-lhe indispensável aplanar e desinfestar aquele promissor terreno, na época já eivado de uma praga assaz daninha propalada por uma gama de princípios contestatários da Igreja de Roma, tarefa esta para a qual utilizou não apenas a sua palavra fluente de pregador combativo, mas também outra tanta e firme escrita para livremente anunciar a Boa Nova fazendo a desinfestação do precioso alfobre ali germinado, de modo a o poder confiar bem limpo aos cuidados de uma inicial, mas logo próspera comunidade de apenas três Irmãs em religião: Santa Joana de Chantal, Maria Jacqueline Favre e Joana Carlota de Bréchard.
E seria no dia 6 de Junho daquele já distante ano de 1610, solenidade da Santíssima Trindade, que o Santo fundador designou e na qual se inspirou e por sua vez também a fundadora Madre Chantal, bem como aquelas duas primeiras Irmãs, para entrarem no “célebre lugar das suas delícias”, ou fosse a pequena Casa da Galeria, situada em Annecy, burgo este então pertencente ao domínio de Sabóia, onde se iniciaram na contemplação ainda que sem clausura nem votos solenes, mas com muito desejo de perfeição interior, de almas sedentas de se entregarem totalmente ao Senhor.
E tão substancial foi esta vivência que logo bem alimentou a planta nascida daquela promissora semente que germinou e cresceu, passando por arbusto vigoroso para chegar a frondosa árvore, que bem tratada e até podada pelo prestimoso fundador, não tardou a ser um aprazível abrigo a modo de nela virem a pousar as aves do céu.
E com tão meritório crescimento veio a culminar em Santuário do Sagrado Coração de Jesus, após o maravilhoso prodígio de Paray-le-Monial, manifestando-se à sua confidente Santa Margarida Maria Alacoque. Acontecimento este qual vulcão de amor divino que Santo Afonso Maria de Ligório ousaria entender afirmando: “Depois da Criação e da Encarnação do Verbo, era a maior prova de amor de Deus pelos homens”.
Com tão promissora vegetação, a grandiosa árvore continuou a frutificar e os seus frutos deram sementes genuínas que se dispersaram não só pela França, mas extravasando pela Europa e logo por África e pela Ásia, chegando ao novo mundo das Américas, onde uma profícua e continuada sementeira gerou múltiplos mosteiros da Visitação.
E seria nesta onda de fertilidade que veio a caber a vez a Portugal, por obra e diplomacia da rainha senhora dona Maria I, que até ficaria intitulada como sendo a Piedosa, dada a sua religiosidade que permitiu a feliz oportunidade de a casa mãe de Annecy, prodigalizar a vinda de cinco Irmãs que vieram a ser as fundadoras do primeiro Mosteiro da Visitação em Portugal.
Apesar do grande sacrifício pedido para deixarem o berço da sua profissão e mais as suas Irmãs em Religião, as famílias e a pátria, para a trocarem por “um país selvagem”, como lhes diziam, todas abraçaram com verdadeiro espírito religioso tal obediência, para iniciarem a caminhada até Lisboa, ainda que naqueles tempos os transportes por terra se limitassem a andar a pé ou a cavalo, mas sendo a França pioneira não só na arte da segeria, bem como nas estradas construídas a preceito, para transporte em carruagens, foi este o preferido para as cinco senhoras viajarem.
Estas promissoras circunstâncias, acrescidas pela existência de suficientes mosteiros da Visitação ao longo do percurso, para apoio logístico à comitiva das duas seges devidamente equipadas e que, no dia 3 de Setembro de 1783, partiram do Mosteiro de Annecy para a longa jornada, mas que seria algo atribulada, pois não faltou o mau tempo e chuvoso, as viajantes molhadas e aflitas até adoecerem, as avarias desastrosas nas carruagens, os cocheiros em pânico e os cavalos estropiados e alguns problemas nas alfândegas, com fracos aposentos de emergência e um percurso que lhes parecia interminável.
No entanto, vieram a passar a fronteira para Espanha no dia 6 de Novembro, para logo em 19 deste mês chegarem a Madrid, e a Badajoz em 10 de Dezembro, atravessando a fronteira para Elvas no dia seguinte e continuando até chegarem a Estremoz, onde se hospedaram na casa da Senhora Dona Antónia Madalena Zagalo, com tanta generosidade e até pompa e acolhimento que a consideraram a mais agradável de toda a viagem, prova esta incontestada de que Portugal não era um país tão selvagem como em França lhes tinham anunciado…
No dia 13 partiram para Évora e logo seguindo para Montemor, para no dia 15 saírem para Vendas Novas, onde se instalaram num Palácio Real ali mandado construir pelo Rei Magnânimo, para apoio das suas deslocações a Vila Viçosa, prosseguindo a viagem para na última noite irem dormir a Pegões e no dia seguinte chegarem à margem sul do Tejo, em Aldeia Galega, hoje chamada Montijo, após uma viagem intermitente durante três meses e treze dias, que ficaria não só memorável mas também premonitória de uma manifesta modernidade dos transportes por via terrestre.
Ali à beira rio estava a nobreza curiosa mas entusiasmada que tinha ido ao encontro de tal novidade, ou fosse a Comunidade Visitandina que ali chegava e logo foi conduzida numa galeota com 120 remadores ao atravessarem o grande estuário, até à grandiosa recepção em Lisboa, onde as esperava a rainha e toda a família real, seguindo-se um solene “Te Deum” e aí ficaram aguardando oportunidade para entrarem no dia 28 de Janeiro de 1784 no Mosteiro que em Belém as aguardava e que ficaria conhecido como Mosteiro das Salésias e onde pacificamente se instalaram.
Esta primeira Comunidade ali prosperou a modo de árvore bem plantada, para mais tarde depois de entrado o século XIX se lhe iniciar um trajecto algo mais conturbado, com acontecimentos anormais que a devem ter inquietado, como fosse a inesperada saída para o Brasil da nossa realeza e da maior parte da fidalguia, à frente das Invasões Francesas, instabilidade esta continuada com a guerra civil, a par da iníqua e perversa extinção das Ordens Religiosas ainda que algo moderada para os mosteiros femininos, para se vir, por sua vez, a consumar no dealbar do século XX, com a Revolução de 1910, em que todas as comunidades que restavam terem de se dispersar para se exilarem em mosteiros estrangeiros, provocando a desertificação das suas comunidades, logo expropriadas sem qualquer pejo.
Até que, e com suficiente bonança e já em 1933, a visitandina Madre Maria de Chantal Machado se atreveu a voltar com a sua Comunidade, mas ainda ficando provisoriamente instalada em Guilhufe, por lhes ser negada a devolução do seu Mosteiro de Lisboa, ocupado por uma dependência da Casa Pia.
Entretanto, estas ainda desalojadas precipitavam-se com a intenção de adquirirem um tal Convento de Vila Boa, embora não lhes agradasse e com a sorte de quando terminava o prazo para fechar a compra, surgiria inesperadamente uma desejada alternativa para o seu mosteiro.
E foi o caso de o senhor Dr. Carlos Mendes, de Torres Novas, grande admirador da Visitação, dado a sua mulher ter sido das últimas educandas em Portugal, também ser um entusiasta do já promissor Santuário de Fátima, onde por sua vez o senhor Dr. José Maria Pereira Gens, da Batalha, era o médico assistente e de apoio aos peregrinos, consumando-se entre os dois um amistoso relacionamento, chegando ambos e dada a sua meritória colaboração com o senhor D. José, Bispo de Leiria, a terem conhecimento que este tinha recebido uma notável herança, que entre outros bens, incluía uma propriedade nos subúrbios da Batalha e que a respectiva mansão bem era apropriada a instalar uma Ordem Religiosa.
Foi um raio de esperança que o Dr. Carlos Mendes, conhecedor das dificuldades das suas protegidas ainda em Guilhufe, logo por carta lhes transmitiu a promissora notícia que lá foi recebida no limiar exacto do prazo fixado e dando azo às orações que logo redobraram e tantas e tão fervorosas seriam que, em 11 de Março de 1935, lhes escrevia o venerando Bispo de Leiria D. José Alves Correia da Silva uma carta à Superiora, ainda dele desconhecida, onde afirmava: “Se for possível a vinda das Visitandinas para esta Diocese, recebo-as como uma Graça do Céu, ajudando-as em tudo quanto puder…”
A resposta não se fez esperar, a modo de “quem quer vai, quem não quer manda”, pelo que logo se puseram a caminho, para em Leiria tratarem pessoalmente do assunto, com o próprio Bispo D. José, donde regressaram satisfeitas, “com quase tudo combinado”, até que em 29 de Março de 1935 o mesmo senhor Bispo, satisfeito e grato, formalizava a sua decisão escrita em dois pontos essenciais. Primeiro: “Considerar como uma grande bênção do Senhor a vinda de Vossas Caridades para esta Diocese”. Segundo: “Oferecer gratuitamente a casa e a Quinta do Casal”. E ainda rematava a mensagem com esta recomendação: “Parecia-me conveniente que o senhor Dr. Carlos Mendes, como muito dedicado a V.ªs C.ªs, fizesse ele mesmo as escrituras em Torres Novas ou viesse aqui para tudo ficar legal…”
Deste modo simplificado, tudo em breve ficaria resolvido e até as obras da casa para adaptação e ampliação do novo mosteiro não tardaram a consumar-se e passado apenas um ano, em 25 de Julho de 1936, ficaria aqui reunida e abrigada esta Comunidade da Visitação de Santa Maria e onde no dia de hoje jubilosamente nos encontramos.
Tratava-se com efeito de uma parte do espólio deixado pela senhora dona Júlia Charters Crespo, falecida em 14 de Outubro de 1934 e já viúva do Dr. José Taibner de Morais, do qual não teve filhos, pelo que dispôs livremente dos seus bens, mas declarando e testando por ser Católica, Apostólica e Romana, pelo que distinguia o senhor Bispo de Leiria D. José Alves Correia da Silva, contemplando-o com o valioso legado onde constava além de outras profusas propriedades esta Quinta do Casal.
E tinha sido na Cova da Iria que germinou esta promissora semente e de certo por obra e graça da Senhora de Fátima, que a tempo e horas não se esquecera de também ser a Senhora da Visitação.
A memória é um dom maravilhoso que não deixa esquecer o passado!
Quinta do Casal, 11 de Junho de 2010

Entrevista à Superiora do Convento da Visitação da Batalha
“Fazer subir até ao trono de Deus o «aroma das virtudes»”

A irmã Maria de Lurdes, de 73 anos de idade, natural de Lisboa, entrou na Ordem da Visitação a 25 de Outubro de 1975 e professou a 21 de Janeiro de 1979. Antes disso, esteve 20 anos – de 2 de Fevereiro de 1955 a 25 de Outubro de 1975 – na Congregação das Irmãs do Amor de Deus, 16 dos quais foram passados em Angola (Carmona e Vila Nova de Seles). Este é o terceiro mandato como superiora deste convento, tendo completado já dois triénios e sido eleita há um ano para este, que é o segundo consecutivo.

Fundada num contexto de combate às heresias, nomeadamente ao Calvinismo, a Ordem da Visitação pretendia ser um exemplo de vida em oração e entrega a Deus, ajudando dessa forma à salvação dos homens e à renovação da Igreja. Quatro séculos depois, que leitura faz da sua história?
Nestes 400 anos, a nossa Ordem passou por graves perseguições em França, Espanha e Portugal, chegando mesmo a ter Irmãs Mártires. O principal contributo contra as heresias passadas e actuais tem sido a nossa fidelidade ao Santo Padre e a doutrina da Igreja, pela nossa oração e vida de penitência.

Sente que esse ideal fundador está presente hoje?
Sim. Hoje, como no passado, as Irmãs esforçam-se por serem fiéis ao que os Santos Fundadores tanto desejaram, ajudando com a sua vida escondida, com a sua vida de oração e sacrifício, a Santa Igreja e a salvação do próximo.

A vida contemplativa nem sempre foi bem entendida e é muitas vezes criticada por não ser “produtiva” ou estar “desligada” do mundo. O que significa, afinal, esta opção da clausura?
É verdade que há muitas pessoas e até mesmo sacerdotes que não compreendem a vida religiosa em Clausura, mas o facto é que ela continua a ser de grande auxílio para a Igreja, porque dela continua a subir até ao trono de Deus o “aroma das virtudes”, tocando assim o Coração de Deus e atraindo para a Igreja e para todo o mundo as bênçãos divinas.
O Papa João Paulo II assim o compreendeu quando fundou no Vaticano o Mosteiro Mater Ecclesiae para ajuda espiritual ao Papa e a toda a Igreja. Presentemente, estão lá as visitandinas.

A opção pela humildade, simplicidade e “apagamento” perante o mundo não terá prejudicado, de alguma forma, a expansão e o conhecimento da Ordem da Visitação por parte da sociedade e dos próprios cristãos?
Aparentemente, sim, somos pouco conhecidas. No entanto, a Ordem está espalhada por 4 continentes, o que significa que o Senhor continua a chamar e há correspondência a esse chamamento.

Quantas visitandinas existem actualmente em Portugal e, concretamente, no convento da Batalha? E qual a média de idades?
Em Portugal (Batalha, Braga e Vila das Aves) somos 56 Irmãs, sendo 17 neste Mosteiro. A nossa média etária é de 77,4 anos! Mas os nossos Mosteiros do Norte têm Irmãs mais novas.

Hoje há uma “crise” de vocações, nomeadamente, para a vida consagrada. De que forma essa realidade tem afectado a instituição?
Temos sentido esta “crise” como todas as congregações. No entanto, ainda temos duas noviças no nosso Noviciado.

Falou na riqueza da vocação contemplativa. De que forma concreta ela se exprime? Como é o dia-a-dia normal das irmãs deste convento?
Exprime-se pela nossa entrega total ao Senhor. O nosso dia é muito simples, marcado sobretudo pela oração, com destaque para a Santa Missa, a Liturgia das Horas cantada e o terço. Mas também com tempos de trabalho e recreio.
Levantamo-nos às 06h25, fazemos oração mental das 07h00 às 08h00, seguindo com oração de Laudes, Missa e Hora Tércia. Às 09h30 tomamos o pequeno-almoço, após o que nos dedicamos aos vários trabalhos. Pelas 11h40 rezamos a Hora Intermédia e almoçamos às 12h00, seguindo-se o recreio até às 14h00, altura da oração do Ofício de Leitura, Hora Noa e Terço. Às 16h00 fazemos meia hora de leitura espiritual individual, até à merenda, pelas 16h30. Depois fazemos a chamada “assembleia”, em que nos juntamos para uma leitura comunitária, feita por uma das irmãs enquanto as outras fazem os seus trabalhos manuais, havendo no final uma partilha de comentários. Pelas 18h00 é a oração de Vésperas, seguida de meia hora de oração com o Santíssimo Sacramento exposto. O jantar é às 19h30, com recreio até às 21h30, para a oração de Completas. O deitar é entre as 22h00 e as 22h30.
Aos fins-de-semana os horários variam ligeiramente, mas esta é a nossa rotina diária mais comum.

A vossa Regra refere que podem aceitar quem queira fazer apenas um retiro espiritual temporário. Costumam ter pedidos dessa natureza?
Só aceitamos na clausura meninas ou senhoras, solteiras ou viúvas, que pretendam fazer uma experiência vocacional. Na mente do Fundador estava essa possibilidade de acolher senhoras em retiro, pois não havia casas com esse serviço, mas actualmente não o fazemos. Tem a ver sobretudo com a falta de estruturas e pessoas para o fazer.

Num campo mais pessoal, como sentiu o seu chamamento a uma vida de consagração deste tipo?
Estive 20 anos numa congregação missionária. Um dia, ao ler a vida de Frei Maria Rafael, senti que o Senhor me queria também num convento de Clausura. A princípio não liguei. Falei a um sacerdote com quem mantinha correspondência e ele não aprovou. No entanto, quando veio a este Mosteiro acompanhar uma pretendente, falou em mim e disse-me depois que se eu quisesse poderia corresponder-me com uma Irmã para ter mais conhecimento sobre a vida contemplativa.
Primeiro tentei entrar nas religiosas Cistercienses em Espanha, mas não me aceitaram. Eram outros os desígnios de Deus. Comecei então a escrever para este Mosteiro (eu estava em Angola) e, ao fim de mais ou menos um ano, escrevi à Superiora, pedindo-lhe a minha admissão. A sua resposta foi negativa, só que essa carta… nunca chegou às minhas mãos. Foi a 1ª carta que se perdeu nos vinte anos em Angola. Vim então a Portugal e falei pessoalmente. Fiz aqui um retiro de 10 dias e, poucos meses depois, entrei.

O que encontrou no convento correspondeu às suas expectativas, ou “aprendeu” só depois o que significava ser religiosa contemplativa?
A religiosa que me escrevia explicou-me bastante bem como era a vida no convento e como eu já vivia em comunidade não me foi muito difícil a adaptação.

É feliz nesse despojamento voluntário? Não sente saudades de algumas coisas que deixou para trás?
Sim, sinto-me feliz, o que não quer dizer que algumas vezes não sinta saudades da “minha querida Angola”. Ainda “sonhei” com uma fundação nesse país, mas já perdi as esperanças, pela falta de vocações.

Acha que actualmente é mais difícil optar por um caminho de consagração, do que era quando tomou a decisão ou em tempos mais remotos?
Certamente. As jovens de hoje, com todas as liberdades que têm, com o ambiente barulhento em que vivem, não têm tempo para fazerem silêncio e escutar o Senhor que fala baixinho ao coração.

Finalmente, o que diria hoje a uma jovem à procura de respostas para o seu futuro, para lhe mostrar que a Ordem da Visitação pode ser uma dessas respostas para uma vida feliz, apesar de completamente divergente dos ideias de felicidade que a sociedade quase nos impõe como universais?
Dir-lhe-ia que não tivesse medo de se entregar totalmente ao Senhor e que na nossa Ordem ela poderia ser inteiramente feliz, porque a felicidade consiste na correspondência ao chamamento de Deus. A nossa Ordem tem uma particularidade que a diferencia das outras: não tem “austeras austeridades”, porque o nosso Santo Fundador, São Francisco de Sales, dizia que “onde falta o rigor da mortificação corporal aí deve haver mais perfeição de espírito”. E isto porque a Ordem podia receber jovens e senhoras de saúde fraca ou com defeitos físicos, que não podiam praticar as austeridades naquele tempo exigidas noutras congregações.

Partilhar/enviar/imprimir esta notícia:

3 Comments

  1. >Parabéns pela reportagem e pela entrevista.Como diz e bem o texto, poucos serão os que que sabem da existência deste convento, e muito menos o que conhecem a sua história e a sua vida quotidiana.Um abraçoCarlos Jordão

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.