(Freguesia da Golpilheira • Concelho da Batalha • Distrito de Leiria)
 
>Mensagem aos sócios: Centro Recreativo da Golpilheira: Passado, Presente e Futuro

>Mensagem aos sócios: Centro Recreativo da Golpilheira: Passado, Presente e Futuro

>Por Manuel Carreira Rito, Presidente do CRG

O Centro Recreativo da Golpilheira (CRG) teve como principal impulsionador, como a maioria das pessoas sabe, mas nunca é de mais relembrar, a “caixa que mudou o mundo” – a televisão, lançada em Portugal no ano de 1957.

Esta era uma terra de gente pobre, humilde, séria e trabalhadora, onde o espírito comunitário foi sempre muito forte, conforme a memória dos mais velhos. Sem grandes divertimentos, era no teatro, no folclore e noutros eventos pontuais, culturais, recreativos, desportivos e religiosos, que os golpilheirenses se reviam e ocupavam salutarmente os seus tempos livres.

No início dos anos sessenta, começaram a aparecer na nossa terra as primeiras televisões, em algumas tabernas e casas de lavradores e industriais mais abastados. Este aparelho, apesar de ser uma grande inovação, não podia ser mudado com grande facilidade, pois não tinha a mesma mobilidade daqueles primeiros rádios de madeira. Estes serviam, por altura das grandes cerimónias de Fátima, para colocar nas varandas, possibilitando assim às gentes da aldeia ouvir a telefonia. Mas, com o aparecimento da televisão, era necessário encontrar uma solução para que os mais pobres também pudessem ver as imagens deste grande invento, que despertava grande curiosidade na população. Estávamos no início dos anos sessenta, antes do grande surto de emigração, que se verificou para vários países europeus e Américas. Alguns homens juntaram-se e adquiriram este bendito aparelho, se a memória não me atraiçoa, no ano de 1963, adquirido a crédito através da assinatura de várias letras. No entanto, havia necessidade de encontrar um espaço para receber esta “menina”. A sala surgiu e bem no centro da Golpilheira, que a colocava equidistante de todos os lugares da nossa aldeia. Foi cedida gratuitamente por Joaquim da Silva Jorge, mais conhecido por Joaquim “Serralheiro”. Agora, era necessário criar uma estratégia para ir pagando as letras aquando do seu vencimento. A mesma foi rapidamente encontrada. Criar uma associação em que cada agregado familiar tinha de ter um sócio. Este sócio pagava cinco escudos de quota mensal, com direito a que todo o agregado familiar usufruísse deste bem audiovisual. Foi assim a génese do CRG.

No entanto, a parte legal dos nossos primeiros estatutos apenas foi aprovada pelo Governo Civil de Leiria em 5 de Março de 1969. Devido a alguns problemas, cuja relevância não importa aqui descrever, a nossa colectividade teve um ligeiro interregno. A sua reactivação quase coincidiu com a revolução de Abril de 1974. Não foi apenas a nossa, pois também aconteceu, e ainda bem, em muitas associações do nosso país.

Recordo-me, neste ano de 1974, de ter havido um espectáculo teatral, tipo revista, a que se chamava vulgarmente uma “récita”, num espaço cedido por Pedro Meneses. Foi um espectáculo com grande sucesso, que galvanizou todos os espectadores e intervenientes no mesmo. Dada a exiguidade do espaço, dialogou-se muito sobre a necessidade de construirmos uma sede condigna para o desenvolvimento de várias actividades. Começaram a surgir várias ofertas: Pedro Meneses ofereceu o terreno; Cesário Santos a pedra e a brita; Luís da Cruz a areia e ainda outras ofertas. Neste dia, foi lançada mais uma semente, que culminou com o lançamento da primeira, no longínquo mês de Maio de 1966, abençoada pelo padre Luís Inácio João.

A partir daqui, a obra foi crescendo, pouco a pouco, mas com a preocupação de haver uma simbiose entre a construção e as várias actividades desenvolvidas. Por esta altura, existiam o Grupo Coral da Golpilheira, Teatro, Futebol de Onze federado e Atletismo também federado. Assim que foi colocada a primeira placa, arrancou-se com o funcionamento do bar, de forma a angariar mais alguns fundos. As obras caminhavam com alguma lentidão, até que, no ano de 1980, se deu mais um passo de gigante: a construção e cobertura do piso superior (salão de festas).

O Grupo Coral definhou, devido a alguns factores, principalmente a importação de telenovelas que hipnotizavam as pessoas frente à televisão, faltando assim aos ensaios. Arnaldo Monteiro, o seu maestro, decidiu não cruzar os braços e criou a Escola de Música, frequentada por muitos jovens. Passado algum tempo, com a aprendizagem por parte dos alunos de vários instrumentos musicais, surgiu a primeira Orquestra Ligeira, acompanhada com algumas vozes do extinto Grupo Coral. O trabalho de Arnaldo Monteiro durou vários anos, sendo interrompido por uma grande fatalidade na sua vida pessoal. No entanto, estava lançada a semente para uma árvore que viria a crescer com sustentabilidade, cujos frutos ainda estamos a colher nos dias de hoje. Este trabalho foi seguido por vários professores. Chegámos a ter uma Orquestra Ligeira quase profissional. Devido aos seus custos, à falta de rendimentos e apoios, e à vontade de alguns componentes partirem para novos desafios, a mesma extinguiu-se. Mas o gosto pela música contínua, como demonstra a frequência da nossa Escola de Música por muitos alunos.

Para além desta actividade, outras surgiram, como o rancho folclórico, a dança, a ginástica, o Jornal da Golpilheira, a formação profissional, o futsal feminino, a formação dos jovens no futebol e mais recentemente a equipa de veteranos de futebol de onze.

No final dos anos 90, surgiu a ideia de se construir um restaurante. Foram adquiridos terrenos, mais ou menos no valor de 250 mil euros. A construção do Restaurante Etnográfico e o seu apetrechamento custaram mais de 600 mil euros. Recorreu-se ao crédito, através de fiadores e hipotecas. Embora as ideias tivessem sido boas, porque nessa altura se pensava em serviços prestados extra, como o apoio domiciliário, a colectividade desviou-se da essência da sua criação. Actividades culturais, desportivas e recreativas, ficaram apoiadas apenas na parte comercial do bar. Com este empreendimento, causaram-se muitos problemas, nomeadamente aos fiadores e suas famílias. A gestão da direcção, a partir desta altura, tinha de lidar com mais de dez empregados e com os encargos desta aventura. Esta situação ainda hoje se vive, uma vez que a gestão do restaurante absorve a maior parte do tempo da direcção, impossibilitando-a de se debruçar sobre os objectivos para a qual foi criada a colectividade. No entanto, nem tudo são trevas. O fornecimento de refeições a várias escolas aumenta a nossa receita, ajudando assim a resolver os nossos compromissos correntes. E quando estes fornecimentos terminarem, qual será o futuro do restaurante?

Neste momento, não há muita colaboração por parte dos sócios no desenvolvimento das várias actividades que a colectividade se orgulha de desenvolver. Senão, vejamos: o futsal é assegurado por três directores, pela treinadora e pelos massagistas (três destes directores fazem parte da direcção do CRG); nas escolas de formação colaboram três treinadores e quatro directores (destes elementos três pertencem à direcção do CRG); nas escolas de música, dança e ginástica colaboram cinco professores, sendo o trabalho da secretaria e cobrança de mensalidades efectuado por três funcionários do CRG; a gestão do rancho folclórico é assegurada por uma nova direcção, cujo presidente também faz parte da direcção do CRG; o Jornal da Golpilheira tem agora uma pequena equipa de colaboradores, mas foi durante muitos anos assegurado apenas pelo seu director e pelo director-adjunto, que é elemento da direcção do CRG; a gestão da equipa de veteranos de futebol de onze está a cargo de diversos directores, alguns dos quais também pertencem à direcção do CRG.

Quanto ao futuro, apesar da grave crise económica e financeira que atravessamos, há também uma grande crise de valores. Uma associação com a dimensão da nossa, para progredir ainda mais, terá forçosamente de ter muito mais pessoas interessadas neste progresso. Se isto não acontecer, muitas das actividades vão parar, muitas delas a curto prazo, tornando a nossa associação num amontoado de paredes. Eu sempre disse e afirmo que as paredes desta nossa “casa” têm de ter vida, e quanto mais abundante melhor. Esta vida dá-se através das actividades, que exigem a entrega dos sócios, que devem ser menos egoístas e trabalhar mais em prol do próximo. Não podemos continuar a ser uma colectividade em que a maioria dos sócios não se dá, nem dá nada ao clube. Tenho muito receio dos tempos que aí vêm. O alheamento que se verifica por parte da grande maioria dos associados, facilmente comprovados pelos colaboradores e dinamizadores que atrás mencionei e também na presença nas assembleias gerais, não augura um bom futuro.

A Câmara Municipal da Batalha vai, muito em breve, iniciar a construção do pavilhão polidesportivo da Golpilheira. Muito lutámos por este objectivo. Agora, o meu receio é que até aqui, e há mais de uma década, temos andado com as nossas equipas de futsal às costas, isto é, de pavilhão em pavilhão. Espero bem que, quando o pavilhão estiver concluído, tenhamos equipas para o ocupar. É importante que as pessoas pensem e reflictam nesta situação.

É bom relembrar que foi a nossa associação que muito contribuiu para o desenvolvimento cultural, desportivo e recreativo da nossa terra. Foi a grande impulsionadora da criação da freguesia da Golpilheira. Foi escola de formação de muitos jovens da nossa terra e zonas limítrofes, não só atletas, mas também alunos e homens e mulheres. Seria bom que todos aqueles que usufruíram do trabalho dos seus antecessores agora trabalhem também para os seus filhos e para os seus pais. É bom que aqueles que criticam, apontando alguns defeitos a tudo o que se faz na associação ou a inovações que a direcção executa, tenham a coragem de assumir cargos nas próximas eleições.

Tenho de confessar que neste momento me sinto desiludido, frustrado e até angustiado com os golpilheirenses. Não sei se é por estar há muito tempo ligado às sucessivas direcções, desde 1974. Já estou ultrapassado. Reflecti muito quando escrevi sobre este assunto. Espero que esta mensagem seja bem interpretada, mas que não seja o “grito do Ipiranga”. Estamos a cinco meses das eleições para o novo elenco directivo, que irá gerir a nossa colectividade para os anos de 2011/2012. Na parte que me toca, não vou integrar a próxima direcção. Tenho sido muito mal tratado, para não dizer outra coisa pior. Não quero que me acusem de estar agarrado ao poder directivo. Depositei muita esperança nos jovens que se foram formando ao longo destes últimos vinte anos. Esperava que a pouco e pouco eles se aproximassem e viessem tomar conta desta casa. Para eles, nós apenas temos ideias retrógradas. Agradecemos que nos ensinem, através do seu conhecimento e aplicação dos seus talentos. Chegou altura destes e outros mostrarem o que valem. Era importante que o fizessem agora, para não dizerem “como foi possível o CRG transformar-se numa taberna, com um amontoado de paredes à sua volta”. É conveniente fazerem-nos agora, porque amanhã pode ser tarde demais.

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