A Páscoa é a mais importante festa dos Cristãos. Mais do que qualquer outra festa de Santos ou de Nossa Senhora, mais do que qualquer outra celebração dos mistérios de Deus, mais do que o próprio Natal, em que se comemora o nascimento de Deus como homem. Isto porque esse nascimento só ganha sentido na Páscoa: Ele fez-Se homem para nos salvar através da sua morte, mostrando claramente que a morte não tem a última palavra sobre o nosso destino, mas, pelo contrário, é o processo de conversão (Ressurreição) para a verdadeira Vida, em comunhão eterna com Ele.
A Páscoa revela, aliás, o sentido e o porquê de tudo, desde a criação: Deus criou-nos porque é Amor, quis-nos à sua imagem e semelhança na expansão natural desse Amor e todo o seu movimento na relação connosco é de inclusão plena nesse Amor. Por sermos à sua imagem, somos livres (não poderia ser doutro modo, porque o Amor não obriga) e, sendo livres, escolhemos tantas vezes recusar a sua oferta de amor, viver como se fôssemos auto-suficientes e não precisássemos d’Ele para atingir a perfeição do humano. É isso o pecado: recusar Deus na vida. Mas o seu movimento de Amor não quer deixar-nos à deriva e Ele faz-Se um de nós, pois só um homem que é também Deus pode fazer essa ponte de retorno ao Amor. A sua morte e ressurreição é o deixar aberta a porta do Amor (Céu), para sempre, assim queiramos nela entrar. É isso a salvação: Deus a oferecer-nos Vida.
É isto que os Cristãos celebram na Páscoa. É certo que o renovam em cada Eucaristia, mas a Páscoa é especial, é a Grande Festa anual desse mistério do Amor. Prepara-se com um tempo de Quaresma, quarenta dias de conversão, renúncia ao mal e reencontro com Ele, vive-se intensamente na memória da sua paixão e morte (Quinta-Feira Santa e Sexta-Feira Santa), em que se toma consciência do valor do sofrimento e da cruz no processo de conquista da vida, e culmina na explosão de alegria de Sábado, na “mãe de todas as vigílias”, em que se cantam aleluias de ressurreição.
Ora, é normal que estes sejam dias de igrejas cheias, até por aqueles que não entram noutros dias. Até nos inícios da Igreja, quando os Cristãos eram perseguidos e mortos só por dizerem que eram cristãos, as comunidades encontravam formas de se reunirem para celebrar a Páscoa, fosse em caves ou catacumbas, fosse no ambiente doméstico de pequenos grupos familiares. Até em locais onde isso ainda hoje acontece e a fé tem de ser celebrada às escondidas, os Cristãos procuram modos e locais onde possam celebrar em grupo o Cristo Ressuscitado que é a fonte da sua esperança e da sua alegria.
No entanto, neste ano de 2020, a Igreja está a preparar-se para celebrar a Páscoa em casa, nem sequer com a família alargada, mas em pequeníssimos núcleos familiares confinados a quatro paredes. Talvez seja a primeira vez em toda a história do cristianismo em que os padres e os bispos, a começar pelo Papa, celebram a Missa em solidão e pedem a todos os outros que fiquem em casa.
Talvez este seja um sinal dos tempos, em que somos chamados a pensar que podemos perder num dia o que sempre achámos por adquirido. Em que possamos sentir o verdadeiro valor daquilo que tantas vezes temos em abundância e não aproveitamos, só porque é mais agradável dar um passeio ou dormir mais uma hora. Em que nos confrontamos com a necessidade de uma graça que não nos pode ser dada como queremos, onde queremos e à hora a que queremos…
Mas talvez este seja também um desafio à criatividade e ao uso das modernas tecnologias para reencontrar a espiritualidade e a forma de as usarmos para a evangelização e para ser Igreja. São já múltiplos os exemplos de quem está a aprender esse caminho. E não é apenas pela transmissão da Missa no facebook; são mensagens, imagens, vídeos, músicas, orações, catequeses, conferências, encontros e reuniões, comunidades e países inteiros a encontrarem-se num único coração que reza e sofre as mesmas necessidades.
Esta Páscoa, fechados em casa, fará a verdadeira triagem entre o verdadeiro cristão e aquele que apenas se tem andado a enganar a si mesmo, arrastando o corpo pelas igrejas aos longo de anos, como se fosse essa a resposta de Amor que Deus lhe pede. Esta Páscoa não vai ser vivida em multidão nem em rebanho. Não vai ter grandes corais, nuvens de incenso, “cerimónias” (como dizem os pagãos) bonitas, e meia igreja dormitante nos bancos do fundo. Esta Páscoa vai ser diferente: quem quiser vivê-la verdadeiramente, vai ter de se esforçar mais do que apenas fazer uma viagem de carro até à igreja. Embora mais perto, dentro da própria casa, vai ter de se preparar sozinho, vai ter de se ligar, vai ter de procurar até encontrar, vai ter de se dominar para evitar distracções, vai ter de fazer o esforço para se tele-transportar até ao lugar e à mensagem que Deus estará a transmitir-lhe à distância.
Há ajudas, muitas; é só – lá está – procurar. Dou só um pequeno exemplo: a editora Paulus está a disponibilizar alguns livros gratuitamente para quem está confinado a casa. Um deles é um guia para viver a Páscoa em casa, em família. Pode servir a quem queira, desde já, preparar a celebração. Basta clicar aqui e descarregar: Tríduo Pascal em Família (e poderá ver no site outras ofertas).
Dito isto, desejo a todos os Cristãos uma Santa Páscoa!
Luís Miguel Ferraz