(Freguesia da Golpilheira • Concelho da Batalha • Distrito de Leiria)
 
Dia histórico na Golpilheira: Bênção dos vitrais e das imagens dos Pastorinhos

Dia histórico na Golpilheira: Bênção dos vitrais e das imagens dos Pastorinhos

A Comunidade Cristã da Golpilheira viveu um dia verdadeiramente “histórico”, no domingo 25 de Fevereiro, com a celebração da bênção dos vitrais e das imagens dos Pastorinhos, no seu principal centro de culto, a Igreja de Nossa Senhora de Fátima. “Ainda que hoje não consigamos ter noção da importância deste dia em que a igreja da Golpilheira se vê enobrecida por diferentes obras de arte que falam de Deus, mas falam também dos homens e mulheres que quiseram, a partir dos cuidados da arte, falar de Deus aos que aqui vivem e celebram hoje o culto, mas também aos que virão no futuro e beneficiarão destas obras de arte que hoje inauguramos”, como afirmou Marco Daniel Duarte, director do Departamento do Património Cultural da Diocese de Leiria-Fátima.

O momento principal foi a Missa, pelas 11h00, presidida pelo padre Carlos Cabecinhas, reitor do Santuário de Fátima, e com a participação de cerca de três centenas de fiéis. O presidente da celebração manifestou a sua alegria por participar neste “dia festivo”, sublinhando o “gosto” que tem sempre em voltar a esta comunidade que bem conhece, sobretudo num momento tão especial como é a bênção de novas imagens dos Santos Francisco e Jacinta Marto, acompanhados pela venerável Lúcia de Jesus, e do conjunto de vitrais que “enobrecem e embelezam esta igreja”.

Na sua homilia, o padre Carlos Cabecinhas fez a ligação entre o episódio da Transfiguração do Senhor – Evangelho desse II Domingo da Quaresma –, a vida dos Santos Francisco e Jacinta e os desafios que hoje nos são propostos. “Jesus apresentou-se como «luz do mundo» e foi também uma experiência de luz aquela que os Pastorinhos de Fátima fizeram e que transformou radicalmente as suas vidas”, o mesmo desafio que devemos assumir “neste tempo da Quaresma como tempo de transfiguração da nossa vida através de um caminho de conversão, o que acontece quando sabemos ler e escutar a Palavra de Deus para fazermos a sua vontade”.

Na Transfiguração, Pedro afirma «como é bom estarmos aqui»; “na vida dos Santos Francisco e Jacinta, depois das aparições, o encontro com Jesus Cristo, na oração, ritmava os seus dias”; esse é outro desafio para nós: “cultivarmos o desejo de estar com Cristo, nomeadamente através de uma oração mais intensa e frequente e na Eucaristia”, lembrou o reitor do Santuário: “Os Santos Pastorinhos tinham consciência de que era no dia a dia, nos pequenos ‘nadas’ da vida, que se manifesta a efectiva transfiguração interior. Estavam atentos às pequenas coisas, aos pequenos gestos e tornaram-se especialmente atentos aos outros e às suas necessidades”. O desafio que dará sentido a esta presença das imagens dos Pastorinhos na nossa igreja será esse de, seguindo o seu exemplo, transformarmos a vida “na nossa relação com os outros, nas nossas atitude e opções”.

O momento da bênção e incensação das imagens foi integrado na oração dos fiéis, sendo também aspergido o vitral principal, no coro alto, em representação do conjunto de seis grandes vitrais que tem a igreja.

Balanço da Comissão

A festa terminaria com um almoço de convívio, que encheu o salão da igreja e contou com animação musical do duo Renascer. Mas antes, ainda na igreja, foi feita uma breve sessão sobre o que se celebrava neste dia.

O primeiro momento foi de memória da campanha de obras promovida pela actual Comissão da Igreja, considerando ser esta a “chave-de-ouro” para o mandato iniciado há mais de 13 anos e que dava por concluído com a inauguração “destas obras de arte que em muito vêm enriquecer o património artístico e cultural da Comunidade”.

Tudo começou com a remodelação integral e qualificação do espaço, procurando o conselho dos especialistas e o acompanhamento das entidades competentes, nomeadamente, do Departamento do Património Cultural da Diocese, “optando pela qualidade das ideias e dos materiais para uma boa solução de arquitectura (projecto de Humberto Dias) que garantisse o conforto, a funcionalidade, a adequação litúrgica, mas também o valor artístico e patrimonial”. Para tal, muito contribuiu a oferta do Santuário de Fátima: “o antigo altar da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, a peanha de Nossa Senhora, o cadeiral do presbitério e mais algumas peças daquele templo”. A obra foi inaugurada em Maio de 2016, por D. António Marto.

Depois, veio a campanha de vitrais, potenciada pela conquista do orçamento participativo da Câmara em 2017, com projecto iconográfico de Marco Daniel Duarte e desenho da artista leiriense Sílvia Patrício, autora dos ícones oficiais para a canonização de Francisco e Jacinta Marto. A execução foi do Atelier Vitrais Portugal, de Sérgio Bernardo e Margarida Ângelo.

Por fim, o projecto das imagens dos Pastorinhos, que faltavam nesta igreja dedicada a Nossa Senhora de Fátima. Mais uma obra de arte (melhor, três), também da autoria de Sílvia Patrício.

“Um investimento pastoral, mas também financeiro, a rondar o meio milhão de euros, cujo pagamento se tornou possível com a colaboração dos fiéis da Comunidade e de outras pessoas e instituições”, referiu o porta-voz da Comissão, que fez na ocasião a sua despedida: “Foram anos de muito trabalho, muitas horas tiradas à família ou ao lazer pelo serviço da comunidade, algumas incompreensões, mas sobretudo de muito amor. Amor que procurámos colocar em tudo o que fizemos e, sobretudo amor que recebemos de vós, pelo apoio, pelo incentivo, pela estima e amizade que foram demonstrando. Amor, estamos convencidos, também de Deus, que nos abençoou com tantas alegrias e sucessos, sem deixar de nos lembrar, aqui e ali, da nossa pequenez e limitação. Pelos erros que também cometemos, pedimos perdão a Ele e a vós. Pelos sucessos, é também a vós que agradecemos e sobretudo a Ele, que nos deu tantas provas de que era Quem conduzia os trabalhos”.

Artista “honrada”

Numa breve intervenção, Sílvia Patrício recordou como começou a sua ligação a esta igreja, cuja primeira impressão foi “um lugar todo banhado por uma luz que inundava as paredes brancas e que nos inundava de um sentimento elevado”. E confessou: “Aos pés da imagem de Nossa Senhora, o rosa e o verde imperavam, e o rosto da imagem transmitia-me tranquilidade e serenidade. Foi essa primeira impressão o fio condutor que me inspirou para a criação destes vitrais”. E daí até às imagens dos Pastorinhos, esse sentimento de identificação foi crescendo: “A ideia destes novos elementos é o de serem veículos para ascender à fé, para nos ajudar a rezar e a viver a espiritualidade, em harmonia com os restantes elementos do espaço”.
Agradecendo a todos os intervenientes no processo, a artista partilhou sentir-se “muito honrada pela oportunidade e confiança que me deram ao poder participar e trazer novos elementos à vossa igreja, uma nova experiência neste lugar de oração”, na esperança de ter conseguido contribuir para a “unidade” na “tarefa sempre complicada de intervir num lugar que é de todos”.

Apresentação das obras

O convidado para apresentar mais em pormenor as obras inauguradas foi o próprio director do Departamento do Património Cultural da Diocese, que desde início acompanhou e foi “conselheiro” permanente destes projectos. Doutorado em História da Arte, Marco Daniel Duarte, começou por sublinhar a importância do momento e a metodologia seguida para a ele chegar: o desejo de “não comprar obras já feitas, mas criar arte nova”; a procura de “coerência desde a criação” dessas várias obras; o convite a “uma artista de nomeada, com carreia já sólida e com trabalho no âmbito da arte sacra”; o envolvimento do Departamento do Património Cultural da Diocese; e o envolvimento, também, da comunidade, promovendo-se por mais que uma vez acções de divulgação e de esclarecimento do andamento dos trabalhos”.

Sobre os vitrais, explicou o programa iconográfico de sua autoria: “partem do padroeiro da comunidade, o Senhor dos Aflitos, representado no momento da Cruz” para uma série de “entregas” e “acolhimentos”; a entrega sua Mãe ao Discípulo e vice-versa, o acolhimento de João a Maria como sua Mãe e, por fim, também o acolhimento da comunidade da Golpilheira a Maria, “representada através de símbolos ligados à igreja antiga e ao próprio mosteiro da Batalha”. Sublinhou, depois, três aspectos estéticos: “o Calvário quer deixar a figura de Cristo na transcendência: não a vemos, para que comunguemos dos mesmos sentimos de Maria, João e Madalena, figuras que formam já uma comunidade, junto à cruz, e têm já marcada a esperança da ressurreição naquela circunferência que rasga o horizonte para a manhã da Páscoa; a figuração, vista de cima, verdadeiramente comovente, de Maria e João quando recebem o coração de Cristo como herança; a representação de Nossa Senhora de Fátima sobre um jardim florido, um globo florido, como que em resposta à promessa feita em cima da azinheira de Fátima: «o meu Imaculado Coração triunfará»”.

Quanto às três novas esculturas, explicou que que “era hora de olhar para os Pastorinhos – dois deles já canonizados – como santos de ao pé da porta, isto é: crianças que pisam o nosso chão e que, por isso, poderiam, com várias vantagens, ser figurados no espaço da assembleia”. O local indicado seria “junto do sacrário e do altar, a fim de mostrarem o caminho àqueles que pertencem a esta comunidade”, além de ser uma zona em que “tomam habitualmente lugar as crianças da catequese”.

Depois, apresentou algumas das opções tomadas: fazer as peças em tamanho natural (aproximado), dar-lhes “marcas de jovialidade, de infância, quase lúdica, como se fossem coloridas por outras crianças”, ainda que sem “quebrar com a tradição das esculturas devocionais” e algum realismo, usar o “formulário muito antigo e muito apreciado pelos fiéis” da madeira como material e do “ouro sobre azul”.

Assim, partindo das fotografias de 1917, a autora retirou-lhes os véus e o barrete, actualizando a apresentação dos cabelos com elementos mais contemporâneos, e deu-lhes “um tratamento pictórico muito expressivo”, em que podem ver-se a madeira, o branco, o azul e o dourado: “a madeira, a matéria de que são feitas, que simboliza a matéria de que somos feitos”, o azul e os dourados usados como “manchas provocadas pelo toque de Maria” e copiados do manto da Imagem de Nossa Senhora de Fátima que se venera na Capelinha das Aparições; o branco, a significar como ficaram “transfigurados, a partir do toque do manto de Maria, pela luz de Deus”.

Por fim, alguns símbolos: “as contas do terço, uma delas no dedo anelar, a mostrar a união esponsal que, como Igreja, temos com Cristo”; as candeias, em Francisco e Jacinta à imagem das que tinham em suas casas e que são sua “imagem de marca” desde a canonização, e em Lúcia na forma romana de lucerna, “típica das santas virgens que seguem o caminho da consagração a Deus”. Esta última surge como inovação icónica: “Nessa lucerna podemos ver o nome de Lúcia enquanto carmelita: Lúcia (vem de luz: lucerna) de Jesus (a cruz no peito) e do Coração Imaculado de Maria (a base em forma de uma lua de prata, que representa Nossa Senhora)”.

Terminando a sua apresentação, Marco Daniel Duarte deixou o voto de que “estas peças, juntamente com os vitrais, sejam importantes sinais no caminho dos crentes e lugares de aprofundamento da transcendência que habita em cada um de nós quando para elas olharmos; quando a partir delas contemplarmos a Beleza infinita que é Deus”. E também três desafios: o primeiro, “que a comunidade possa conservar estas peças e a partir delas possa enriquecer-se ao nível da sua espiritualidade, sem ceder à tentação de as mudar de sítio, mas habituando-se a conviver com elas, educando os mais novos também a não lhes tocar sem os devidos cuidados – e se algum acidente acontecer, chamando técnicos especializados para que possam sobreviver durante múltiplas gerações”; o segundo, “que se faça destas peças lugares de contemplação, pois a arte é lugar de pensamento e, no caso da arte sacra, de pensamento orante”; e o terceiro, “que as forças civis que promovem o turismo da Batalha integrem nos percursos dos visitantes a vinda à igreja da Golpilheira, porque a partir de hoje há redobrada razão para aqui chegarem os que gostam de contemplar património religioso de primeira água”.

No início da sua intervenção, o director do Departamento do Património Cultural da Diocese tinha afirmado que, dados os “símbolos específicos e as formas novas” dadas a estas imagens, “os estudiosos das representações dos Pastorinhos terão agora que obrigatoriamente passar pela Golpilheira para analisarem as diferentes representações artísticas de Francisco, Jacinta e Lúcia”. A concluir, partilhou a sua própria experiência de ter já incluído a igreja da Golpilheira em resposta a jornalistas sobre bons exemplos do património religioso desta diocese, a par de templos como a Catedral de Leiria, a Senhora da Encarnação, o Santuário dos Milagres ou o Mosteiro da Batalha.
Felicitando “a artista, os vitralistas, o arquitecto, a comissão desta igreja e, em geral, a Comunidade Cristã da Golpilheira”, Marco Daniel Duarte rematou: “Daqui a cem anos, que dirão os que vierem a esta igreja? Que esta geração de crentes soube dotá-la de beleza, a partir da criação artística, que nos ajuda a sermos melhores cristãos”.

Luís Miguel Ferraz

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