>Chamam por mim desde Seir:
«Sentinela, que vês na noite?
Sentinela, que vês na noite?»
E a sentinela responde:
«Chega a manhã
e a noite também.
Se quereis uma resposta,
voltai a perguntar»
(Is 21,11-12)
Esta obscura profecia do livro de Isaías pode muito bem aplicar-se à cultura europeia dominante, numa altura em que, também no nosso país, se tenta dar à morte direitos de cidadania, manchando as leis com sangue inocente e traindo a vocação original das unidades hospitalares, enquanto instituições ao serviço da vida. Esta legalização “civilizada” da morte denuncia algo de profundamente errado no mundo ocidental!
Levámos séculos a irradiar a pena de morte e agora, em nome do progresso – mas que progresso pode haver na morte? – queremos reinscrevê-la na legislação!
Chegámos ao paradoxo de ver a vida como inimiga – nós, a quem foi dado viver! – e desejar que outros não cheguem a conhecer a luz do dia por interesses e conveniências do momento. Em vez de juntarmos esforços para a salvar, capitulamos, e parece que nos queremos deixar convencer – como se isso fosse possível! – de que a morte do mais frágil, indefeso e silencioso ser humano é solução para alguma coisa! O que nos dignifica, nos humaniza e nos permite estar à altura dos desafios do nosso tempo não é optar pela morte de um, mas lutar pela vida dos dois até às últimas circunstâncias…
Esta capitulação da cultura dominante revela a que ponto chegou a banalização da vida nas sociedades ocidentais, provocando uma decisiva subversão da escala de valores: a vida de todos e em todas as circunstâncias deixou de ser o principal valor a defender! Mas, se não defendermos a vida toda e sempre, o que sobra é o princípio do mais forte! Será que não nos damos conta que estamos a enviar às jovens gerações sinais verdadeiramente inquietantes?
Culturalmente e por falta de ajuda, deixamos que a mulher se volte contra o ser indefeso que traz no seu ventre e, em nome da sua liberdade e direito de escolha, acabamos por fazer dela a vítima do egoísmo e do cinismo do nosso tempo. Por isso, do pedestal onde foi colocada, cairá desamparada, resvalando na indiferença de muitos, sempre que o acontecer da vida humana não convier a alguém, só porque veio fora de horas!
Neste contexto, a vida humana passará a estar à mercê de agendas e interesses inconfessados! A saída imediata será o aborto… Drama de consciência? Rupturas no casal e na família? Problemas graves de saúde física e psíquica? Tudo isto será secundário… menos para a mulher! Mas quem se importará? Os que facilitaram e/ou a pressionaram para abortar? Esses não entenderão o seu sofrimento: não compreenderão que o ser humano arrancado das entranhas da mulher, permanece na sua consciência e no seu coração!…
Quantos séculos teremos nós de esperar pelo dia em que a vida humana seja integralmente respeitada, desde o início até ao fim? Na caminhada civilizacional não há só avanços, também há desvios, becos sem saída, recuos e tendências destruidoras…
Entretanto, e enquanto esperamos por esse dia, importa, não só denunciar todos os atentados à vida humana, como reunir boas vontades e exigir às instituições competentes apoios para pôr em marcha projectos que auxiliem mulheres e famílias nestas circunstâncias. A Igreja, seguindo o seu Senhor, apoiará todas estas iniciativas e acolherá, à luz do amor misericordioso de Deus Pai, todas as situações dramaticamente atingidas pelo aborto.
P. Manuel Armindo P. Janeiro