(Freguesia da Golpilheira • Concelho da Batalha • Distrito de Leiria)
 
>Chapéu feminino

>Chapéu feminino

>Recolhas de Alberto Gomes de Sousa Tradições extintas…

O chapéu feminino da região alto-estremenha leiriense é dos mais bonitos que conhecemos. Era um luxo que rapariga nenhuma dispensava, embora algumas, quando solteiras, o não pudessem usar, dados os parcos rendimentos da família. Mas quando assim era, depois de casadas, a primeira prenda que o seu “homem” lhe oferecia era um chapéu, concretizando assim o sonho da sua jovem mulher.
Um bom chapéu era armado em feltro e forrado por dentro e por fora de veludilho preto, que as mulheres assim o cantavam nesta elucidativa “calha”:
É bonito o meu chapéu
Forrado de veludilho
É bonito gosto dele
Como gosta a mãe do filho

De copa abobadada e abas verticais e mais altas do que aquela, levava a que a mulher não pudesse pôr sobre o chapéu qualquer peso, sob pena de as amachucar, levando à sua deformação e consequente fealdade. Os mais senhoris, conquanto fossem também forrados de veludilho, tinham ainda um sobreforro em tafetá cristal ou seda fulgurante de cor branca. Na copa, tinham um laço de veludilho preto, com as pontas em leque, pregado com um firmal com uma pérola, ou seja, uma conta prateada. A completar o enfeite, penas plumosas muito erectas, nas cores amarelo, branco, verde, azul, encarnado e castanho, que eram fixas à copa, mas apenas do lado esquerdo, de modo a formar um tufo. Como remate, uma pluma preta muito bem fixada à copa com o firmal a que aludimos.
Evidentemente que num rancho folclórico não basta ter as diferentes peças de indumentária muito genuínas, mas também a maneira correcta de as usar. Um homem nosso vizinho disse-nos que era na maneira de pôr lenço e o chapéu que as raparigas faziam realçar a boniteza do seu rosto. Vamos então falar na elegância de usar o chapéu.
Sendo forrado de veludilho, como dissemos, é posto com a costura para trás, de modo a que as penas e a pluma fiquem do lado esquerdo. Porém, há um pormenor muito a ter em atenção: deve ser posto na cabeça inclinado para a frente, de maneira a que a parte inferior da aba fique um dedo de través em relação às sobrancelhas. Esta forma correctíssima de o usar leva a que, quando a mulher inclina a cabeça, fique bem evidente a ornamentação da cobertura e consequente elegância. O chapéu é sempre posto sobre o lenço, que pode ser atado acima, mas de modo a que o nó fique na nuca, logo bem visível, com as duas pontas levantadas e entaladas na aba com uma só ponta entalada do lado esquerdo, mostrando assim um caracolinho de cabelo, a que o povo chamava “pesca rapazes”, com as três pontas sobre a copa, primeiro as dos lados e depois as de trás. Esta maneira era sobretudo usada no Verão, o que levava ao refresco da cara e do “cachaço”. Também havia mulheres, mas já um tanto maduras, que tapavam toda a trança com o lenço, fazendo uma espécie de touca. E, por último, a maneira mais séria, digamos assim, de pôr o lenço: atado abaixo, com o nó para trás, mas de modo a que a parte do lenço ficasse sobre o queixo – “lenço soqueixado”. Mulheres havia que tapavam mesmo a boca e parte da cara, costume este, ao que dizem certos etnógrafos, nos ficou das mulheres árabes, que ainda hoje andam de rosto velado. Na freguesia da Maceira, a este atavio feminino era conhecido como chapéu de domingo, para diferenciar do usado durante a semana, ou seja, o chapéu de trabalho, que era muito sóbrio, quer na forma, quer na ausência de ornatos.
Os enfeites que indicámos, é possível que tenham nascido com o chapéu. Mas outro ornamento há, se assim se lhe pode chamar, que deve ter nascido mais tarde. Referimo-nos ao lencinho que, entre o povo, era conhecido como “lencinho do chapéu”, no qual os nossos leitores já devem ter reparado. Mas qual a origem desta prática?
Não foi nada asseada, dizemos nós, a origem deste atavio que nos dias de hoje custa a acreditar que assim tenha sido. Mesmo correndo o risco de sermos apelidados de mentirosos, nem por isso vamos deixar de lhe fazer minucioso relato, dado que foram factos por nós testemunhados. Não deixa de ser curioso que, quanto aos homens, apareçam os lenços vermelhos com traços pretos e classificados como suareiros, tabaqueiros e rapeleiros, não havendo qualquer referência ao lenço de assoar. Tudo leva a crer que não existia, ou pelo menos não era como tal usado, visto que preferiam o “lenço de cinco pontas”, que não era mais do que apertar as narinas com os dedos polegar e indicador, ao mesmo tempo que, com uma forte expiração pulmonar, se provocava a impetuosa saída do muco nasal.
Quanto às mulheres, sobretudo as mais duronas, não usavam o lenço de cinco pontas como os homens. Preferiam antes a barra da saia ou do avental, da banda de dentro. Parecia que andavam a bater “peles”, no dizer de um nosso vizinho já muito evoluído para o tempo, quanto à higiene individual. As raparigas novas não eram muito atreitas a este proceder. Usavam lenços de pequena superfície, ou seja, um quarto de côvado, o que equivale a 16,5 centímetros de lado. Depois de se assoarem, guardavam o lencinho no “punho de canudo” do seu casaco, hoje chamado blusa, ou mesmo no seio. Outras preferiam entalá-lo na aba do chapéu de domingo. As mais cuidadosas enrolavam-no muito a preceito, de modo a ficar bem recatado. As mais “desleixadas” punham-no de qualquer maneira, ficando a esvoaçar, nascendo assim o “lencinho do chapéu”. Eram sempre de cor branca e muitos eram debruados com minúsculos debruns, nas cores amarelo, verde, encarnado, azul e castanho, cores aliás correspondentes às das penas, havendo casos de debruns a preto.
Com o andar dos tempos, deixaram de ser lenços de assoar, para se transformarem em adornos dos chapéus. Eram postos do lado direito, em oposição ao tufo de penas, posto do lado esquerdo, ficando a esvoaçar quando aplicados, abertos à laia de cravos, mas nunca, como temos visto, cosidos à aba do chapéu da banda de fora e muito esticadinhos. Eram fixos, sim, à copa, entre a aba, mas do lado de dentro. Esta prática dá ainda hoje uma certa louçania ao chapéu, que a todos os títulos recomendamos.
Sendo conhecido como chapéu de domingo, não queria dizer que só neste dia fosse usado, mas antes em todas as ocasiões em que a mulher não estava no trabalho, como ir à missa, ao mercado, à feira, a um casamento, a uma festa, a um baptizado, etc. Porém, nem em todas as ocasiões a mulher usava o chapéu da mesma maneira. Por exemplo, nas cerimónias religiosas, não era usado na cabeça. Assim que entrava na igreja, retirava-o, estando de joelhos punha-o sobre a barra da saia. Há quem diga que, mesmo tomando parte nas celebrações litúrgicas, a mulher conservava o chapéu na cabeça, dado o hábito de não lhe ser permitido entrar nos recintos sagrados de cabeça descoberta. Era verdade, mas só no que se referia ao lenço. E mais: este tinha de ser atado abaixo – “lenço soqueixado”. Só a noiva gozava do privilégio de entrar na igreja com o lenço em pontas, sobre a cabeça, isto é, caído sobre as costas. A nossa afirmação é baseada em factos por nós testemunhados e pelo povo confirmados, ao cantar os seus costumes e usanças para a posteridade, como sejam os motes:

Da cabeça para a mão
Passo logo o meu chapéu
Quando entro na igreja
P’ra rezar ao Deus do Céu

Da cabeça para a mão
Passo logo o meu chapéu
Quando entro na igreja
P’ra pedir p’ra ti o Céu

Eu fui a Alcobaça
Mas não levei-lo chapéu
P’ra poder ir ao convento
Vê-lo retrato do Céu

Quaisquer destes motes, consideramo-los autênticos documentos e, daí, credíveis quanto ao uso de chapéu.
Mas continuemos: quando a mulher saía de casa com o “lenço soqueixado” e chapéu na cabeça para ir esperar o “Senhor”, quando o senhor prior vinha prestar aos moribundos assistência religiosa, assim que ouvia o toque da campainha anunciando a aproximação da procissão eucarística, retirava de imediato a cobertura da cabeça e levava-a na mão. As afirmações que fazemos, reforçamos, são mais que suficientes quanto ao uso do chapéu, aquando a mulher tomava parte nas cerimónias religiosas.
Na nossa região, mas mais para o litoral, havia um outro chapéu, muito semelhante ao que vimos descrevendo. Referimo-nos ao chapéu que era conhecido como chapéu raso. Tinha as abas verticais, mas mais baixas, de modo que a copa era mais alta do que aquelas. Era muito funcional, dado que a mulher o usava para pôr sobre o dito as canastras do peixe. As abas mais baixas em relação à copa permitiam, contudo, que a salmoura do peixe não escorresse cabeça abaixo. Sendo, no fundo, um chapéu de trabalho, era ausente de enfeites. Quem se não lembra destes chapéus na década de quarenta, quando começou o mercado da Gândara, hoje dito da Maceira e as sardinheiras vinham vender as saborosíssimas petingas? Que saudades temos de tais tempos!!! Que bonito trajo o destas mulheres!!!
Conquanto este chapéu fosse mais usado no litoral, à beira-água, também no interior aparecia, embora com menos frequência. Seria, pois, uma variante do chapéu de domingo, mas mais pobre, mas mesmo assim não acessível a todas as bolsas.

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