(Freguesia da Golpilheira • Concelho da Batalha • Distrito de Leiria)
 
>Crise… e direitos humanos

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>Francisco Sarsfield Cabral falou em Leiria

A Comissão Diocesana Justiça e Paz (CDJP) organizou, no passado dia 19 de Fevereiro, no Seminário de Leiria, o 5º colóquio integrado no ciclo “Direitos Humanos e realidades actuais”. A perspectiva de abordagem foi a “crise económico-social”, um tema que não estava previsto na programação inicial deste ciclo, mas que “se impôs de tal forma na nossa vida, que não podemos deixar de nos debruçar sobre ele”, referiu Tomás Oliveira Dias, presidente da CDJP. “É que a crise arrasta consigo pobreza e injustiças, à escala nacional e à escala internacional, pelo que há que ter em conta, nas decisões a tomar para a sua resolução, a defesa dos direitos humanos, desde o direito à vida ao direito ao trabalho, sem esquecer todas as outras disposições, da maior transcendência, nesta matéria como as que constam da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da nossa própria Constituição”, adianta este responsável. E conclui: “Trata-se, afinal, de defender a dignidade da pessoa humana e de apoiar em especial os mais desfavorecidos, como tantas vezes tem recomendado a Doutrina Social da Igreja”.
Para tratar este controverso tema da actualidade, foi convidado Francisco Sarsfield Cabral, licenciado em Direito e considerado um observador competente e interessado na vida nacional, particularmente, no que se refere a temas económicos e sociais. Pertenceu a várias instituições públicas e privadas, foi adjunto do ministro dos Negócios Estrangeiros, assessor do primeiro-ministro e director do gabinete em Portugal da Comissão Europeia. Como jornalista, trabalhou no Diário Popular, em O Jornal e na RTP, tendo sido director do Público e director de informação da Rádio Renascença. Actualmente, é colaborador da Rádio Renascença, colunista do Público e comentador da SIC.
Para que os nossos leitores conheçam um pouco melhor as suas opiniões, publicamos de seguida uma entrevista que concedeu ao jornal O Mensageiro (12.02.2009).

Em seu entender, quais as causas da presente crise?
A causa próxima desta crise económico-social é de ordem financeira. Não é uma crise desencadeada por uma euforia bolsista seguida do afundamento das cotações, como aconteceu em 1929 (tendo, depois, falido muitos bancos). Desta vez, o problema foi o crédito. Crédito barato (juro baixo), concedido sem prudência, na convicção de que tudo correria bem (por exemplo, que o preço das casas hipotecadas nos Estados Unidos continuaria a subir) e crédito transformado em títulos, eliminando a relação pessoal entre devedor e credor.
Mas as causas profundas são de ordem ética. Em parte porque o comunismo deixou de ser uma ameaça, muitos capitalistas convenceram-se que tudo seria possível, incluindo procedimentos de duvidosa moralidade. Daí a falta de cuidado na concessão de crédito e a irresponsabilidade com que gestores bancários e financeiros (principescamente pagos) aconselharam aos seus clientes aplicações que se revelaram de alto risco. Muitos dos novos e sofisticados produtos financeiros são hoje chamados “tóxicos”: pouco ou nada valem. Daí prejuízos enormes nos bancos e outras instituições financeiras, provocando uma súbita contracção do crédito – o que leva ao atrofiamento da actividade económica.
O excesso de crédito foi facilitado pelo acesso de grandes quantidades de poupanças aos Estados Unidos (vindas sobretudo da China), enquanto os americanos deixaram praticamente de poupar, aumentando o seu consumo com base em empréstimos.

E quais as suas principais consequências na sociedade portuguesa, designadamente no campo social?
A mais grave consequência é o aumento do desemprego e a falta de dinheiro do Estado para ajudar quem precisa.
Também vejo uma consequência negativa, a prazo, que tem a ver com a forte (e necessária) intervenção do Estado no sistema bancário e em sectores económicos e empresas. Isto irá aumentar a nossa secular dependência em relação ao Estado.

Para quando se pode esperar a inversão da crise e retoma da nossa economia?
Ninguém sabe quanto tempo vai durar a crise e qual a sua gravidade. Mas parece claro que esta é a crise mais séria pelo menos desde a Grande Depressão dos anos 30 do século passado.

Ainda assim, que medidas podemos tomar para que seja possível essa retoma?
Reina uma grande insegurança quanto à própria natureza da crise (porque ela é inédita) e quanto aos remédios a aplicar. Mas pensa-se ser indispensável, antes de mais, evitar o colapso do sistema financeiro (que levaria ao total desastre económico). Ainda não é certo que se tenha evitado tal colapso.
Por outro lado, são necessárias políticas para espevitar a procura – investimentos públicos e/ou baixa de impostos. O importante é que essas medidas produzam efeitos tão imediatos quanto possível, o que aconselha os investimentos públicos geradores de emprego.
Também é indispensável reforçar os apoios sociais, até por motivos económicos: quem tem menos dinheiro, se recebe uma ajuda vai gastá-lo – o que já poderá não acontecer com quem tem rendimentos mais altos, pois poderá preferir poupar em vez de consumir.

Em que medida a retoma a nível nacional depende da retoma internacional?
A nossa retoma depende em larguíssima medida da retoma internacional, sobretudo na Europa. Mas tal não invalida, por um lado, que as autoridades portuguesas possam e devam agir no combate à crise; e, por outro, que seja preciso muita cautela em não deixar derrapar demasiado o défice das contas do Estado português. É que, se tal acontecer, o crédito que temos de angariar no estrangeiro será mais caro e difícil. E nós somos um país onde toda a gente está endividada: Estado, empresas, famílias, bancos…

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