>Abertura do ano escolar promete nova polémica
A partir do próximo ano lectivo, a Educação Sexual será “objecto de inclusão obrigatória nos projectos educativos dos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas”, como determina a lei n.º 60/2009, que já foi publicada em Diário da República. Assim, “o projecto de educação sexual” deverá ser elaborado pelo director de cada turma, com alguns professores de uma equipa interdisciplinar, designando os conteúdos e iniciativas a promover, numa carga horária “não inferior a seis horas para os 1º e 2º ciclos e a 12 horas para o 3º Ciclo e Secundário”.
A mesma equipa, que será dirigida por um professor-coordenador para a área da Educação para a Saúde e Educação Sexual, terá também a seu cargo a gestão do gabinete de informação e apoio, que deverá funcionar “pelo menos uma manhã e uma tarde por semana” e disponibilizar “um espaço na internet” para responder a questões dos alunos.
O problema é que ainda não foram definidas as matérias que serão ensinadas nem quais os professores que as vão leccionar e que habilitações deverão ter. Apesar de o Ministério da Educação garantir que irá promover a formação de docentes, não explica como. E, se é para começar neste ano lectivo, já devia ter sido feita. Tal como sucedeu com o computador “Magalhães”, os professores voltam a acusar o Governo de avançar com medidas antes de formar os professores para elas. Mas, dada a matéria de que agora se trata, o problema é bem mais grave e sensível do que foi o do referido brinquedo.
Uma das vozes que já se fez ouvir sobre o assunto foi a dos sindicatos, que afirmam a sua preocupação com o número “escasso” de professores com formação ou especialização nessa área. “O sistema não está preparado para responder em larga escala, ou na sua generalidade” a esta lei, referiu Carlos Chagas, presidente do Fenei/Sindep. “Não conhecemos especialização nessa área; se algum professor a fez, pagou-a do seu bolso e deve ser uma gotinha num oceano. E também não é uma formação que se dê em meia dúzia de horas”, reitera Lucinda Dâmaso, da Federação Nacional dos Sindicatos de Educação.
Há um acordo na sociedade sobre a pertinência deste tema. Os princípios colocados na sua base são importantes, tais como “acabar com a discriminação e violência baseada na orientação sexual, reduzir gravidezes não desejadas e infecções sexualmente transmissíveis, defender a igualdade entre os sexos e a capacidade de protecção face a todas as formas de exploração e abuso sexuais, promover a compreensão científica do funcionamento dos mecanismos biológicos reprodutivos e valorizar uma sexualidade responsável e informada”. O problema está na forma como isso será feito e quem terá competência para o fazer. Até porque sobre isso, há teorias e práticas diversas, algumas delas influenciadas por diferentes tradições culturais ou religiosas, que a Constituição manda defender.
Afirma-se que os pais vão poder monitorar a aplicação da lei e que os encarregados de educação serão “informados de todas as actividades desenvolvidas no âmbito da Educação Sexual”. Mas como será isso feito? Tendo em conta o historial de participação dos pais na vida da escolar, quem o fará? E se não concordarem com o que observam, até que ponto podem recusar a participação dos seus filhos, sem serem eles próprios vítimas de discriminação?
São várias as perguntas a fazer no início deste ano lectivo, por muitos pais e encarregados de educação. Para ajudar à reflexão dos leitores, publicamos de seguida alguns textos sobre o assunto.
LMF
Um novo projecto de educação sexual
Recentemente, o Presidente da República alertou para a falta de qualidade de muitos textos legislativos. A falta de qualidade de leis da Assembleia da República e de decretos-leis do Governo não é um problema de hoje. Mas hoje é agravado pela hiperinflação legislativa. No momento em que se avizinham novas eleições, a novidade parece ser a de leis balneares, preparadas de modo apressado para aprovação antes de férias.
Entre os frutos sazonais da actividade parlamentar contam-se cada vez mais leis simbólicas, isto é, leis que se destinam mais a marcar a agenda política e satisfazer compromissos eleitorais do que, efectivamente, a legislar para o futuro.
A recente proposta de lei relativa à “aplicação da educação sexual em meio escolar” (Projecto de Lei n.º 660/X) é um bom exemplo do que não deve fazer-se.
Ninguém contesta ser necessário que jovens e adolescentes recebam informação científica sobre a sexualidade. Também ninguém contesta que o objectivo de diminuir o número de situações de gravidez precoce entre as adolescentes é correcto. A questão central é a de saber se o caminho adoptado pelo legislador é o mais adequado e, sobretudo, se estão respeitados os direitos das pessoas.
A mais recente iniciativa legislativa parlamentar é um cheque em branco a um futuro governo nesta matéria. De facto, tudo o que é essencial fica dependente de regulamentação pelo governo e não são definidos parâmetros legais em relação a tema nenhum, excepto em matérias administrativas que, estas sim, só pelo governo deviam ser regulamentadas.
Por um lado, portanto, é posto em causa o princípio da determinação e precisão das leis. Por outro, legisla-se em matéria que pode integrar o conteúdo de reserva de administração. Por exemplo, o funcionamento de gabinetes de informação nas escolas, que não serão dirigidos por médicos apesar de terem, entre outras atribuições, a de assegurar aos alunos os “meios contraceptivos adequados”.
Pertencerá ao governo estabelecer o conteúdo curricular da disciplina. Mas o diploma em causa nada dispõe quanto aos direitos das crianças nesta matéria e ao modo como os podem exercer. Nada se regula também sobre os direitos dos pais.
Recentes episódios divulgados pela comunicação social em que professores têm conversas, no mínimo, inconvenientes com jovens estudantes deveriam aconselhar muita prudência em matéria tão delicada e que se prende com a saúde e o bem-estar físico e psíquico das crianças e jovens. E que, também por essa razão, exige professores com formação específica.
Compreende-se, assim, a preocupação de muitos pais com esta legislação confusa e errada, que coloca no mesmo plano normativo crianças de 6 anos e adultos que terminam o ensino secundário com 17 ou 18 anos.Estas questões são melindrosas e deveriam merecer maior respeito pela Constituição. Esta começa por estabelecer a responsabilidade primeira dos pais na educação dos seus filhos. São as mesmas responsabilidades que a Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem estabelecem.
Seria correcto pensar que o Estado assume o dever de ensinar os jovens sobre a sexualidade de modo objectivo e de acordo com a sua idade. Porém, se o Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas (art.º 43.º da Constituição) e se os pais têm primazia na escolha do género de educação a dar aos seus filhos, a resposta própria de um Estado pluralista é a de que tem de reconhecer-se aos pais o direito de opor-se a que os seus filhos recebam conteúdos informativos quando estes ofendem as suas convicções religiosas e filosóficas profundas.
Recorde-se que a orientação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vai em três sentidos fundamentais: os pais não podem opor-se ao ensino obrigatório da educação sexual se os fins e o conteúdo do currículo forem objectivos e cientificamente adequados à idade das crianças; tem de ficar assegurado o direito dos pais a aconselhar e guiar os seus filhos de acordo com as suas convicções; as indicações curriculares não podem ser entendidas como uma exaltação da vida sexual e da entrada precoce das crianças em práticas perigosas para a sua estabilidade, saúde ou futuro.
Pedro Barbas Homem, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (Público – 15.07.2009)
Educação para Sexualidade: a ditadura da maioria
Com a aprovação, pela maioria parlamentar, do projecto de lei relativo à aplicação da educação sexual em meio escolar, estamos perante um caso gritante de ditadura da maioria e de utilização do Estado para propagar uma doutrina particular.
Ditadura da maioria porque uma maioria parlamentar, seja ela de que dimensão for, se arroga o direito de impor o que deverá ser leccionado em matéria de sexualidade aos filhos de todos os portugueses, mesmo daqueles que consideram profundamente errada e prejudicial a visão sobre a sexualidade que está subjacente aos conteúdos que constam do referido diploma legal.
Não está em causa a visão propriamente dita, mas tão-somente o facto de se tratar de uma visão particular, ou seja, de existir na sociedade um conjunto significativo de cidadãos que a refuta totalmente. Ninguém tem o direito de impor a todos os pais qual é forma como deve a escola ensinar aos seus filhos a “melhoria dos relacionamentos afectivo-sexuais dos jovens” ou o que é a “noção de família”. Quais relacionamentos? Melhoria segundo que critério? Quem escolhe esse critério? E que “noção de família” vai ser propagada? E que dizer sobre os valores que vão ser veiculados com a criação do “dia anual da educação sexual nas escolas”?
Ora, perante a óbvia divergência num tema que toca o mais íntimo das pessoas, será que pode um conjunto de iluminados, mesmo tratando-se de deputados da República, impor a obrigatoriedade da sua visão particular? Ou seja, impor aos pais que os seus filhos sejam educados para a sexualidade na escola segundo critérios e valores que eles não partilham não será sinal de uma postura ditatorial?
Perante este quadro, importa questionar: as escolas existem para auxiliar os pais na educação dos filhos, como a Constituição da República Portuguesa prevê, ou para um conjunto de personalidades, mais ou menos iluminadas, as utilizar como veículo da sua visão particular do mundo?
Da leitura do projecto de lei surge o absurdo de tudo isto: “A presente lei aplica-se a todos os estabelecimentos da rede pública, bem como aos estabelecimentos da rede privada e cooperativa com contrato de associação, de todo o território nacional”. Ou seja, aqueles que tiverem capacidade financeira para escolher a escola dos filhos, esses estão fora da alçada iluminada do legislador. Donde se conclui que os critérios e as matérias em causa já não são fundamentais ao pleno desenvolvimento e preparação para a vida activa. Afinal, a maioria parlamentar está apenas a zelar pela plebe que frequenta as escolas suportadas pelos nossos impostos, no fundo, aquelas que ela considera, como o consideraram outras maiorias parlamentares antes desta, serem as suas escolas. É dessas que se trata e nessas, sua coutada particular, arroga-se o direito de pôr e dispor como lhe aprouver, tratando os cidadãos como seus servos.
Normalmente, porque depende do voto, segue “as modas” do politicamente correcto, mas não é por isso que deixa de ser uma ditadura. A liberdade perde-se pouco a pouco. Por isso, não há regime democrático sem a protecção daqueles que não pensam de acordo com a maioria, dos que são politicamente incorrectos, dos que defendem ideias que a maioria considera imbecis, tontas ou mesmo irrealistas; daqueles de quem não gostamos, mas que toleramos, porque aceitam obedecer às mesmas leis. Insuflar de valores e critérios obrigatórios o currículo obrigatório, mesmo com pretensas boas intenções, só pode agradar aos inimigos da liberdade.
A coberto de ideias generosas, como a diminuição da gravidez na adolescência ou da incidência do vírus VIH/SIDA, obrigar os pais a aceitar que os seus filhos recebam informação e formação de acordo com critérios que não desejam e de uma forma contrária aos seus princípios, não só é cruel como contribui para desresponsabilizar os pais. E falar do “reconhecimento em tudo isto do papel indispensável da família, dos pais, dos encarregados de educação e dos professores”, num sistema de ensino em que as escolas têm uma reduzidíssima autonomia na construção do seu currículo e os pais uma ínfima palavra nos destinos da escola, é simplesmente hipócrita.
Francisco Vieira e Sousa, militante do PS e secretário-geral do Fórum para a Liberdade de Educação (Público – 11/04/09)
Parecer da Comissão Episcopal da Educação Cristã na audição parlamentar
Igreja preocupada com “ambiguidades” da lei
A Comissão Episcopal da Educação Cristã (CEEC) manifestou as suas preocupações em relação à lei sobre a Educação Sexual nas Escolas, quando ainda estava em projecto, criticando a “redução da sexualidade à dimensão dos mecanismos corporais e reprodutores, que se pretendem controlar”. “Todo o articulado se orienta para que apenas se comunique aos alunos informação que, supostamente, lhes permita precaverem-se contra gravidezes indesejadas, infecções transmissíveis e abusos sexuais”, refere o parecer, apresentado na audição parlamentar que decorreu no âmbito dos trabalhos de apreciação na especialidade destes projectos de lei.
Para a CEEC, o documento do PS manifesta “muitas imprecisões e ambiguidades”, vinculando “Educação Sexual” à “Educação para a Saúde”, com a “ausência de uma clara e determinante relação com o desenvolvimento global da pessoa”. O parecer lamenta a “falta de clareza de conceitos e de expressões, como por exemplo «igualdade de género», «sexualidade e género», «melhoria dos relacionamentos afectivo-sexuais dos jovens», «protecção do corpo e noção dos limites», «diversidade e tolerância» e «prevalência dos métodos contraceptivos»”.
As críticas estendem-se à “ausência de referência à perspectiva das religiões e das diversas culturas, elementos que integram a sexualidade humana e desvendam a sua beleza”. Por outro lado, “embora se afirme a importância do papel da família na educação sexual, continua a não aparecer com clareza a relação subsidiária da escola em relação à família, e, nessa óptica, a função educativa que a escola deveria exercer junto dos pais, ao serviço de uma adequada preparação dos mesmos, como educadores dos filhos no domínio da sexualidade”, acrescenta o parecer.
A CEEC destaca como pontos positivos “a valorização da sexualidade – enquadrada em relações afectivas e vivida com responsabilidade – para o desenvolvimento harmonioso da pessoa humana”, “a consideração do papel indispensável da família, dos pais, dos encarregados de educação e dos professores enquanto parceiros decisivos na educação sexual dos adolescentes e dos jovens” e “o entendimento da sexualidade como elemento indispensável na construção dum projecto de vida com valores e uma dimensão ética”. Mas alerta para o facto de que “a educação da sexualidade deve ter um alcance muito mais vasto do que a aquisição de informação científica e técnica; sendo importante, permanecer nesse patamar é abrir a porta à vulgarização de relações humanas permissivas e irresponsáveis”.