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Caros leitores e conterrâneos, quero partilhar convosco uma viagem que fiz à Argentina, de 6 a 16 de Fevereiro, e que estava programada há cerca de 30 anos, para visitar um amigo e colega de escola primária, o Bertolino, filho do nosso vizinho António “Palheiro”, do Casal de Mil Homens. Foi para aquele país com a idade de 13 anos, na companhia da sua tia paterna, dona Lourdes, que ali se encontrava há cerca de 16 anos, bem como o seu sogro, da Codiceira, que emigrou nos anos 30 do século passado. Na altura dedicava-se à produção de hortícolas e ainda hoje mantém a actividade agrícola, e levou o Bertolino para que tivesse uma vida diferente da que podia ter num Portugal atrasado e obsoleto.
O Bertolino andou por lá cerca de 25 anos e eu sempre dizia que um dia iria visitá-lo, mas ele regressou definitivamente há cerca de 20 anos. Porém, no exercício das minhas actuais funções, quis conhecer a sua tia Lourdes, que lá se encontra há 60 anos. Sabia que ela e sua família se davam muito bem como o meu pai José Henriques da Cruz e restante família, pelo que não tive dúvidas de que seria bem recebido, como aconteceu.
À minha chegada a Buenos Aires, esperavam por mim com um cartaz de identificação os seus dois filhos, a Noemy e o Horácio, que eu não conhecia. Dirigimos para Chivilcoy, a 160 km do aeroporto, para a sua propriedade agrícola, onde neste momento produzem soja, milho, trigo e carne bovina, numa área de 1220ha, cuja responsabilidade é do Horácio, com o apoio do Marcelo, filho da Noemy.
Conheci a dona Lourdes, que só tinha visto na Golpilheira quando eu tinha uns 13 anos. Foi emocionante, ela é uma pessoa conversadora, muito lúcida, apesar dos seus 83 anos, e contou-me as suas peripécias de Portugal e da ida para a Argentina, a D. Lourdes, uma semana depois de casar. A dona Lourdes nasceu no Choupico, em Dezembro de 1926, filha de António da Silva Pereira (conhecido por “Palheiro”), irmão do António, Armando e Maria Julieta, que faleceu em Setembro de 2008, no Brasil, e que era casada com Manuel Jesus Monteiro (Manuel “da Carpinteira”), irmão do Luís e do António, ainda meus parentes por parte da minha avó paterna, que era irmã do Afonso Cabeço, que ainda conheci. A dona Lourdes é viúva de Joaquim Henriques, da Codiceira, cujo sogro também esteve na Argentina nos anos 30, onde ganhou para comprar propriedades na sua terra natal, de modo a dar uma vida mais digna aos seus filhos, pois na Europa havia crise por causa da II Grande Guerra.
Pernoitei esta primeira noite na sua casa de campo, como é evidente muito emocionado por estar numa propriedade agrícola duma nossa conterrânea, a tantos quilómetros de Portugal. No dia seguinte, visitei a exploração e à noite fomos jantar a casa do seu filho Horácio, rapaz da minha geração, com a presença de outros membros da família. Como é da praxe, o banquete foi churrasco de carne argentina. A noite foi extremamente emocionante, com a dona Lourdes na força da sua idade a reviver o passado de Portugal, com a declamação de versos, a contar como ia confessar-se de burro à Rebolaria (terra da minha mãe) no ano de 1950, imediatamente antes do seu casamento. O seu noivo veio da Codiceira ao Choupico, depois dirigiu-se o Mosteiro da Batalha para a cerimónia, após o que se dirigiram à Codiceira para a respectiva boda.
Como disse, embarcaram para aqui passada uma semana, trazendo uma oferta especial do pai da noiva: uma tesoura da poda e uma faca, que se despediu da filha dizendo: “Aqui vai o homem da minha casa”. E partiu para criar uma excelente propriedade agrícola nas Terras de Prata, rentável e de que fala com muito orgulho.
Aqui reproduzo um excerto dos versos que nos declamou nesta noite de churrasco: “Batalha, linda Batalha / é por seres tão pequena / que tens dentro de ti uma obra / feita de pedra morena. / Com o teu primor, ao mundo inteiro / tu mostras o teu valor / nós sabemos que muito sofremos / mas sempre vencemos, somos vencedores.”
Recitou ainda outra, acerca do Mosteiro da Visitação, na Faniqueira: “As freiras de Santa Clara / quando vão cantar ao coro / já cá levo o meu namoro / bacalhau assado, cozido e muito bem temperado / com dentinho de alhos / e remédios para tirar os calos” (não se lembrava de mais…)
Contou-me também que uma sua tia materna, Maria do Rosário Leal, estava na Cova da Iria quando se deu o milagre de 13 de Outubro de 1917, em que apareceu uma luz e a Lúcia disse: “Fechem os guarda-chuvas que vem aí a Virgem Maria”.
No dia seguinte, fui ao Uruguai, à cidade de Colónia/Sacramento, visitar esta linda cidade fundada pelos portugueses, onde se vêem bem preservadas, com a colaboração da Gulbenkian, as casas típicas portuguesas, as muralhas, as calçadas à portuguesa (em contrate com as espanholas, as nossas são bem mais perfeitas), assim como o Museu Português, inaugurado em 1985 pelo primeiro-ministro português António Guterres, estando lá também em 2008 o nosso presidente, Cavaco Silva, numa viagem de Estado àquele país.
Depois fui para o norte da Argentina, visitar a província de Chaço e as cidades de Resistência, Corrientes e Presidente Roque Saênz, para uma das regiões mais pobres, onde convivi com os aborígenes, fui a escolas, bibliotecas (ofereceram-me alguns livros sobre a realidade local, cultura do algodão, floresta, etc). Terminei com a visita às Cataratas do Iguaçu, no lado Argentino, que fazem fronteira com Paraguai e Brasil.
José Jordão Cruz