“As insígnias da FIFA são um símbolo de prestígio e reconhecimento e é uma honra usá-las em campo”
A jovem golpilheirense Rita Santos Ferraz foi indicada pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF) para integrar os quadros de árbitros internacionais FIFA 2025, passando a envergar as respectivas insígnias e podendo ser nomeada para arbitrar jogos internacionais de futsal.
Com formação técnica superior em Intervenção Sociocultural e Desportiva, Rita Ferraz concilia esta actividade com a profissão de gestora de eventos na empresa Musterteams. Aos 27 anos de idade, é a primeira e única mulher em Portugal na categoria C2 de arbitragem de futsal, o que alcançou seis anos depois de se ter aventurado nesta “paixão”.
Para conhecermos um pouco melhor o seu percurso e a sua rotina e modo de viver o desporto, estivemos à conversa com ela.
Entrevista de Luís Miguel Ferraz / Fotos: DR

Conta-nos como surgiu este teu “gostinho” pelo desporto…
É mais do que isso… é uma “paixão”, que começou muito cedo, em criança. Lembro-me de estar na escola e só queria que chegasse a hora do intervalo para ir jogar à bola com os meus amigos. Adorava a sensação de liberdade e desafio. Esta paixão foi crescendo ao longo dos anos e acabei mesmo por me tornar atleta federada.
E porquê o futsal?
Em minha casa sempre se viu muito desporto na televisão, principalmente futebol, e eu acompanhava muitos jogos, conhecia os nomes dos jogadores e vibrava ainda mais quando ia aos estádios. Sabia que queria praticar aquele desporto, mas não havia equipas femininas de futebol na nossa zona… então fui experimentar o futsal, que era idêntico na forma de jogar, mas dentro de um pavilhão. O Centro Recreativo da Golpilheira já tinha equipa feminina e foi aí que tudo começou.
E continuou com muito sucesso!
Sim. Comecei a jogar como federada em 2008, com apenas 12 anos, e deixei de jogar em 2020, com 24 anos. Tenho uma carreira de 12 anos enquanto jogadora, de que me orgulho muito. Representei durante 10 anos o clube da minha terra, que me formou e viu crescer, e estive 2 anos na Casa do Benfica de Leiria.
Neste percurso, conquistei 17 títulos, entre campeonatos, taças e supertaças, estive em interassociações, campeonatos universitários, taças nacionais, taça de Portugal e joguei no campeonato nacional da 2.ª e da 1.ª divisão. Ainda era júnior, mas estava na equipa que foi campeã nacional pelo CR Golpilheira na época de 2013/2014!
Como aconteceu a troca do jogo pela arbitragem?
Tirei o curso de arbitragem em 2017, com 20 anos, por insistência de um amigo. Eu gostava era de jogar futsal, mas comecei a arbitrar uns jogos e fui lhe tomando o gosto. Queria sempre saber mais e fui fazendo formações para melhorar. Até 2020, podia conciliar a arbitragem com a prática do futsal, mas nesse ano subi a árbitra nacional e, estando nos quadros da FPF, não era possível fazer as duas coisas. Optei por deixar de jogar e foi uma decisão acertada.
Como foram as primeiras experiências como árbitra?
No início há sempre receio de cometer erros. É preciso aprender muitas coisas novas e somos “bombardeados” com informação sobre leis de jogo, como lidar com jogadores e treinadores, como tomar decisões rápidas e tudo isto sob pressão. Como era jogadora, estava por dentro das regras e tive uma adaptação fácil em termos de leis de jogo. Mas tudo o resto foi uma aprendizagem constante. A cada jogo, ganhava mais confiança e experiência a lidar com as diferentes situações que surgiam e aprendia bastante com cada árbitro que me acompanhava.
Nunca tiveste a tentação de desistir?
Considero-me uma pessoa competitiva, ambiciosa e lutadora. Sabia o que queria e, apesar de haver sempre bons e maus momentos, sempre soube dar a volta por cima. A emoção do jogo, a adrenalina de cada decisão e a sensação de contribuir para o futsal eram recompensas que sempre me motivaram e nunca me fizeram pensar em desistir.
Estavas decidida a fazer esta carreira…
Tal como todos os árbitros, comecei por arbitrar camadas jovens e só depois ir subindo, consoante a minha performance em provas físicas, testes escritos e observações em jogos que me podiam fazer subir de categoria e assim poder arbitrar escalões mais avançados. Nesta altura, arbitrava apenas competições da Associação de Futebol de Leiria. As coisas foram-me correndo bem e percebi que tinha jeito… a partir daí, comecei a considerar a possibilidade de voos mais altos. Atingi o objectivo de entrar nos quadros da FPF em 2020 e continuei sempre com a ambição de subir de categoria todos os anos. Hoje sou a mulher mais categorizada em Portugal.
E imagino que exija muita preparação…
Claro. Quem acha que os árbitros não treinam não podia estar mais enganado. Quando se chega a patamares mais elevados, temos de estar preparados para tudo.
Eu treino todos os dias: duas vezes por semana estou no ginásio às 7 da manhã para treinar e depois vou trabalhar; outros dois dias, depois do horário de trabalho, treino em pavilhão, no centro de treinos de arbitragem, onde fazemos variadas coisas, desde treino físico, movimentação, reacção, decisões técnicas e disciplinares. Sexta-feira, sábado e domingo é sinónimo de jogos.
Além disso, durante a semana recebo as nomeações e faço o estudo dos jogos com a minha equipa, para chegar ao jogo preparada. Tal como as equipas estudam o adversário, os árbitros também estudam as equipas para saberem quais são os jogadores teoricamente mais problemáticos, as saídas de pressão, as bolas paradas, a melhor forma de lidar com equipa técnica… Este trabalho faz toda a diferença num jogo.
Quais são os principais desafios para a arbitragem neste momento, sobretudo em Portugal e, ainda mais concretamente, no futsal?
Os principais desafios são o recrutamento, formação e retenção de árbitros. Há muitos jogos por fim de semana sem árbitros nomeados, em praticamente todos os distritos. É preciso um esforço contínuo para garantir que isto não acontece.
É preciso também valorizar a carreira dos árbitros, reconhecer a importância e oferecer condições adequadas. A valorização desta carreira é fundamental para atrair e reter talentos na arbitragem.
Infelizmente, ainda não há árbitros de futsal profissionais em Portugal, mas creio que o caminho vai passar por aí nos próximos anos.

Voltando à tua experiência, o que sentes quando entras em campo?
Acima de tudo, responsabilidade. Sei que as minhas decisões podem ter um impacto significativo no jogo e na experiência de todos os envolvidos. É uma superação permanente, ter de tomar decisões em segundos e em contexto de pressão.
E como reages às críticas ou reclamações mais intempestivas dos atletas e do público?
Esse é um desafio constante, mas faz parte da arbitragem. Com as estratégias certas, é possível manter o controlo da situação e até aprender com isso. Eu reajo de uma forma calma, sabendo que, em muitos casos, é apenas um momento de expressão da frustração dos intervenientes.
Mas se te apercebes de que têm razão, que avaliaste mal uma jogada… isso condiciona o teu trabalho depois?
Errar é humano e faz parte. Os jogadores falham passes, os guarda-redes sofrem os chamados “frangos”, os treinadores têm estratégias erradas… são coisas normais, que fazem parte do jogo.
Obviamente, o objectivo é errar o mínimo possível. Quando me apercebo de um erro, tento ultrapassar o mais rápido possível, porque quanto mais tempo estiver a pensar nele, mais vou errar, por não estar focada no que realmente interessa, que é o jogo.
Se pudesses falar aos atletas ou ao público nesses momentos, ou antes de cada jogo, o que dirias?
Diria para aproveitarem o momento, a competição e o “fair play”. O futsal é um jogo apaixonante, que nos une, independentemente das nossas diferenças. Apoiem as vossas equipas, mas sempre com respeito. Que este jogo seja um exemplo de como o desporto pode promover a amizade e o respeito mútuo.
Quais foram os momentos mais marcantes para ti?
Todos os árbitros querem estar nas grandes decisões e eu já tive a felicidade de estar em finais de campeonatos universitários, de campeonatos nacionais, de taças de Portugal, de taças da liga e supertaças. Todas essas finais têm momentos marcantes. Fui a primeira árbitra em Portugal a utilizar a tecnologia VS (video support), equivalente ao VAR no futebol, em jogo televisionado, uma marca histórica. Estive também no jogo de inauguração da Arena Portugal, o pavilhão da Cidade do Futebol.
Por tudo isto, é difícil escolher só um momento, mas… receber a insígnia FIFA foi, sem dúvida, o ponto mais alto da minha carreira na arbitragem.
O que significou para ti a ascensão à categoria C2 e esta nomeação para Árbitra FIFA 2025?
A promoção de categoria é o resultado do meu trabalho, esforço e dedicação, demonstra um desempenho consistente e de alta qualidade ao longo do tempo e é um motivo de grande orgulho para mim, ainda para mais porque não há mais nenhuma mulher na categoria C2, que atingi na época passada.
A nomeação para árbitra FIFA é um marco histórico na minha carreira… sou a primeira árbitra internacional de futsal em Leiria.
Foi uma surpresa, ou já esperavas?
Jamais imaginei que ia chegar tão longe de uma forma tão rápida. É um sonho tonado realidade e que me faz ter ainda mais motivação para continuar.
Houve cerimónia oficial…
Sim. A notificação foi feita por chamada telefónica, mas, no passado dia 27 de Janeiro, organizou-se a cerimónia de entrega das insígnias, na Cidade do Futebol. Recebi-as pela mão de João Rocha, vogal da secção não profissional e responsável pelo futsal no Conselho de Arbitragem da FPF (na foto abaixo).

Já fizeste jogos com as insígnias?
Sim, todos os jogos que fiz depois de as receber. As insígnias da FIFA são um símbolo de prestígio e reconhecimento e é uma honra poder usá-las em campo.
Mais ainda não jogos internacionais…
Esse é o próximo passo. Já tenho acesso ao calendário de provas internacionais… aguardo que um dia chegue o e-mail com a nomeação. Quero expandir os horizontes, conhecer diferentes estilos de jogo e experiências de arbitragem nos diversos países, para enriquecer a nível profissional e pessoal. E sonho vir a apitar uma final internacional…
Que conselhos darias a um ou uma jovem que sinta o desejo de vir a ser árbitro?
Para se ser árbitro é preciso coragem, determinação e compromisso. O meu conselho é: acredita em ti mesmo e no seu potencial! O caminho vai ser desafiador, mas cada jogo é uma aprendizagem. Manter a calma nos momentos difíceis pode ser decisivo para decidir bem. O caminho para o sucesso é construído com tempo, é preciso paciência e persistência. As dificuldades vão surgir, mas são essas experiências que nos tornam melhores árbitros, pois os erros fazem parte da aprendizagem. Mesmo quando as coisas parecem não estar a correr bem, não desistas.
Muitos golpilheirenses têm manifestado o seu orgulho por ti, até nas redes sociais. Sentes esse apoio?
É com muita alegria que reconheço o carinho dos golpilheirenses em cada abordagem que me fazem. É um motivo de orgulho saber que a minha trajectória inspira e toca as pessoas da minha terra.
É importante frisar que o reconhecimento é uma grande motivação para mim. Espero que eu possa continuar a dar alegrias e retribuir todo o carinho que recebo.
Obrigado a todos os golpilheirenses pelo apoio e por me fazerem sentir tão orgulhosa desta nossa terra.
Uma mensagem final…
É inevitável falar da minha família e amigos, que me apoiam incondicionalmente e são os que mais “sofrem” com a minha ausência.
Para seguir este sonho, falhei dias e momentos importantes. É difícil estar longe de quem amamos, mas sei que eles entendem que este é o meu caminho e que me apoiam para que eu possa alcançar os meus objectivos. A saudade é grande, mas o apoio que recebo deles dá-me força para seguir em frente.
Tenho a certeza de que todos os sacrifícios têm valido a pena e posso sempre comemorar as minhas conquistas ao lado de quem sempre esteve comigo.
A todas as pessoas que estiveram ou estão envolvidas nesta minha caminhada, um “muito obrigada”, pois sem vocês nada disto seria possível!
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